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11 x 14
James Benning, 1977, 82 min.
EUA, 16 mm para 35 mm para DCP

 
11 x 14 é um estudo sobre o meio oeste Americano. Uma série de breves tableaux que mostram o cotidiano iconicamente estadunidense sob um olhar desapegado de significados que transcendam a superfície da imagem. Campos verdes arados por tratores, carros passando por avenidas, pessoas caminhando. A câmera ocasionalmente se desloca para revelar uma ação que complementa a cena. Ela também viaja dentro de carros e trens, observa através de janelas de dentro para forae vice-versa. Como num jogo de memoria, o desdobrar do filme suscita conexões entre cenas que são criadas por nossa própria lembrança do que passou. Tudo é mistério pois não há desenlace para o que se vê, apenas lembranças de ações, ou iterações que podem sugerir narrativas fragmentadas.
 
O primeiro longa-metragem do renomado cineasta experimental norte americano James Benning é um marco no cinema de vanguarda dos últimos 50 anos. Ele foi restaurado pela parceria Arsenal-Institut für Film und Videokunst e.V., em Berlim, e Austrian Film Museum, em Viena, a partir do material original em 16 mm e convertido em cópias 35 mm e DCP. Essa restauração estreou no Festival de Berlim em fevereiro de 2018, junto com um novo filme de Benning.
 
IMS São Paulo 26/07 às 19h30 com reprise 28/07 às 18hs
 
IMS Rio de Janeiro 28/07 às 16hs com reprise 31/07 às 19h30

Web site IMS - Sessão Mutual Films - Informações e ingressos

 

 
Trechos de uma conversa com James Benning sobre 11 x 14
 
As falas a seguir de James Benning foram registradas durante uma conversa com o cineasta após uma sessão da versão restaurada do filme 11 x 14 , que aconteceu durante a edição mais recente do Festival de Berlim, em fevereiro de 2018. O debate foi moderado pelo cineasta bósnio Dane Komjlen (Todas as Cidades do Norte, 2016). Agradecemos a Gesa Knolle e a Carsten Zimmer do Arsenal - Institutfür Filmund Videokunste.V. por compartilhar o áudio original do debate, e a Benning e Komjlen pela autorização para tradução para o português e publicação de trechos editados da entrevista.
 
James Benning: 11 x 14 é meu primeiro longa-metragem. Eu comecei a fazer cinema com trinta anos de idade, mas ainda era ingênuo. Cresci em uma família de classe média baixa que não tinha obras de arte nas paredes ou livros na casa, não fazia ideia de que era possível ser artista como profissão. Eu sabia que queria fazer cinema e estava pensando nisso quando fiz 11 x 14. Eu também sabia que não queria fazer o tipo de cinema com o qual cresci e o qual conhecia - o cinema dominante, ou seja, filmes de caubói no sábado a tarde e narrativas agradáveis e divertidas que possuem começo, meio e fim. 11 x 14 faz referência a ideias cinematográficas e entendo o filme como sendo cinema. Por exemplo, eu filmei uma chaminé porque, para mim, representava um tipo de progresso e, ao mesmo tempo, poluição. Quando fiz a cena, o diretor da usina veio falar comigo com receio de que eu estivesse fazendo um filme que falaria mal daquela usina em particular. Ele me assegurou de que era apenas vapor d'água e que a maior parte das impurezas estavam sendo filtradas. Mesmo assim eu a usei.
 
Pergunta de Komjlen: Existe uma música na cena, uma das duas vezes no filme que ouvimos "Black Diamond Bay", do Bob Dylan.
 
JB: Bob Dylan foi a voz da minha geração, então era difícil não falar dele ou com ele quando eu fiz o filme. E sempre me incomodou nos filmes o uso de apenas partes de músicas, então eu quis usar toda a música.
 
Pergunta de Komjlen: Talvez não seja a melhor situação para perguntar isso, mas como estão os direitos autorais para o uso das músicas do Bob Dylan? O quão livremente você as usa?
 
JB: Se você rouba algo, você ganha, e a outra pessoa perde. Essa é minha defesa, policial.
 
[Sorrisos do público]
 
Pergunta de Komjlen: Nós acabamos de ver uma versão em 35 mm de seu primeiro longa, e na última década seu trabalho foi praticamente todo filmado e apresentado em digital. O que significou para você a mudança de um suporte para outro, e o que deixou uma impressão mais forte?
 
JB: Eu filmei em analógico por mais de trinta anos e estava comprometido com o formato. Mas, de certa forma, ele começou a ser descontinuado devido à produção digital, e quando as pessoas fazem essa mudança de mídia, a mais antiga sofre em relação ao controle de qualidade. Então, para continuar com a película, levaria de quatro a cinco meses para conseguir uma boa cópia, e depois levaria duas a três semanas para detonarem a cópia porque a projeção em muitos lugares estava ficando cada vez pior. Começou a encarecer porque poucas pessoas estavam revelando filmes. De certa maneira, eu fui forçado a trocar, e fiquei meio chateado com isso, mas também, uma vez que a mudança foi feita e não tive mais esses problemas, fiquei feliz com isso. Nos últimos dez anos, eu realizei mais trabalhos do que nos trinta ou trinta e cinco anos que trabalhei com filme analógico. Também,tudo ficou muito mais barato e rápido, e minhas ideias puderam ser bem mais arriscadas porque se dessem errado não seria custoso. Acabei abraçando a mudança. Eu não sinto nostalgia pelo grão ou pela aparência do analógico, mas eu gosto dele. E admiro muito o trabalho de restauração realizado pelo Austrian Film Museum [Museu de Cinema da Áustria], porque 11 x 14 foi rodado em ECO, que é um estoque reversível - um estoque em positivo e não negativo -, até para digitalizar é difícil porque todos os algoritmos são escritos para escanear o negativo. Eles fizeram um trabalho brilhante. O filme original estava todo apagado e magenta, e conseguir recuperar qualquer cor já teria sido impressionante.
 
Pergunta do público: Minha compreensão é que esse filme é um tipo de expansão e reedição de um filme anterior seu chamado 8 ½ x 11, que o Austrian Film Museum já começou a restaurar. O que aconteceu no processo entre os dois filmes?
 
JB: Existe um filme de 33 minutos que fiz antes deste, chamado 8 ½ x 11 (1976), que se refere ao tamanho de uma folha de papel US letter. Eu dei esse nome porque escrevi um roteiro para o filme, porém filmei apenas partes dele, para que a narrativa ficasse mais ambígua. Quando fiz 11 x 14 pensei: "O primeiro filme possui uma narrativa reconhecível, mas se eu usar apenas 11 das 33 cenas e as colocar aqui, elas se perderão em outra narrativa." Então, se as pessoas vissem a primeira narrativa, elas trariam aquela narrativa para esse filme. Esse tipo de brincadeira de reorganizar a forma narrativa me interessava.
 
Pergunta do público: Você seguiu o roteiro à risca conforme foi filmando, ou existe algo em 11 x 14 que o levou a reestruturar posteriormente a narrativa do filme?
 
JB: A única orientação de 11 x 14 foi a presença de um personagem principal, um homem (Paddy Whannel), que estaria numa posição diferente ou em uma vida diferente toda vez que aparecesse. Ele é visto no início do filme se despedindo de uma mulher mais jovem e depois reaparece com sua esposa e um filho. Em seguida está trabalhando em um posto de gasolina,depois aparece ao lado de Lenin, e depois jogando golfe. Minha ideia era ter essa pessoa confusa que seguiria mudando. Também fica mais complicado porque ele e a outra mulher que aparecemao longo do filme (Serafina Bathrick) trocam de roupa algumas vezes. Ela está usando a mesma blusa xadrez que ele usa quando está trabalhando em um posto de gasolina, por exemplo. Eu estava brincando com a noção de como nós identificamos personagens e com essa confusão de quem é quem. Buñuel fez um filme com duas atrizes diferentes [Esse Obscuro Objeto do Desejo (1977)], uma vira a esquina e aparece a outra atriz. Eu assisti o filme todo sem me dar conta que eram duas pessoas, mesmo uma sendo loira e a outra morena, eu acho.
 
Pergunta do público: Eu estou interessado na sua ligação com a fotografia.
 
JB: Eu componho os quadros como fotografias, claro. Eu gosto da fotografia de Stephen Shore, que fotografa de frente. Eu também não gostava de movimentar a câmera. Nesse filme, movimento a câmera mais do que em qualquer outro que fiz em anos, mas gosto da maneira como a falta de movimento da câmera te deixa mais alerta para os movimentos que ocorrem no quadro.
 
[Pergunta do público sobre o que é a narrativa do filme]
 
JB: A narrativa, de certa forma, é minha percepção dos Estados Unidos naquela época. O longo percurso no trem El, no início do filme, é o Evanston Express. Evanston, Illinois, naquela época, era uma cidade que estava apenas começando a perder o privilégio, mas ainda tinha privilégio. Aquele trem começava em Evanston e seguia até o centro de Chicago sem parar. Passava direto pela região da classe trabalhadora para que as pessoas com privilégios não precisassem compartilhar a viagem com trabalhadores comuns. Eu estava no meu primeiro ano como professor na Northwestern University, que era uma universidade privada, muito privilegiada e cara. Não havia muita diversidade lá, mas eu tinha um aluno negro que pensei que poderia viajar no trem. Era como eu me sentia em relação aos Estados Unidos naquele tempo - onde havia certos privilégios para certas pessoas. Em seguida você vê uma área degradada, pessoas jogando golfe, um jogo de beisebol, e essas coisas que nos impedem de entender o que está realmente acontecendo. Eu tinha essa ideia de que a seção de esportes do jornal te impede de ler a primeira página.
 
[Pergunta do público sobre imagens de viagem no filme]
 
JB: Eu não entrei em um avião até os 23 anos de idade. Quando completei esse filme, eu tinha viajado para a Europa uma vez e tinha dirigido para alguns lugares nos Estados Unidos, mas no geral não viajei muito. Por isso quis fazer referência a esses sistemas de transporte. A ideia do privilégio de pegar o trem L na cidade e do privilégio de voar em um jato. Nós dirigimos e não voamos para Dakota do Norte, mas eu mostro um voo lá. Eu estava fazendo referência às minhas próprias limitações de viagem naquela época.
 
[Pergunta do público sobre a posição política do filme]
 
JB: Eu acho que a seriedade nesse filme está escondida. Como o passeio no trem El, certo? É muito específico ao que eu estou pensando e você não estaria pensando nisso, ainda que você ache estranho esse trem não parar para pessoas. Eu estava interessado em política, mas de uma maneira que não fosse dogmática, assim, eu escondi ela no filme. Da mesma maneira com a chaminé - você pode fazer essa leitura, mas também pode observá-la apenas esteticamente. E também tem a brincadeira da música tocando novamente: Na primeira cena ela vem de uma vitrola, na outra como trilha sonora. Nesse filme eu estava jogando muito com o cinema. Por exemplo, tem a cena de uma briga em frente a um bar e a ideia do drama. É uma brincadeira. Quando assisti o filme pela primeira vez, achei que talvez estivesse exagerando com a brincadeira, o que eu não queria fazer. Mas eu tinha muitas ideias diferentes ao mesmo tempo, e acho que por isso gosto tanto do filme, porque pode ser abordado de diferentes pontos de vista.
 

 
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