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Egaro Mile (Onze milhas)
Egaro Mile
Ruchir Joshi | Índia | 1991, 160', 16 mm para DCP

 
Fonte da cópia: Arsenal - Institut für Film und Videokunst e.V.
 
O único documentário de longa-metragem de Ruchir Joshi realizado até agora começa com uma dedicatória ao seu pai, o escritor Shivkumar Joshi, que morreu durante as filmagens e que estimulou seu filho a seguir uma vida nas artes. Segue-se, então, um intertítulo com uma velha história sobre um homem cuja barriga inchada produzia um som percussivo que espantava até os pássaros das árvores e cuja risada tornava-se uma canção. Assim, Ruchir faz a primeira descrição dos Bauls, artistas cujas presenças, obras e odisseias formam a matéria-prima de seu filme.
 
Egaro Mile foi filmado ao longo de três anos em diversos locais no estado de Bengala Ocidental, da aldeia de Aranghata ao coração de Calcutá. O título do filme (que conta com o subtítulo Um diário de jornadas) é o nome, inventado por um jovem Baul chamado Kartik Das, de um determinado lugar qualquer dado como ponto de partida para novas explorações. Como explica o pesquisador e músico bengalês Deepak Majumdar - que aparece de forma periódica navegando em uma canoa no rio Ganges -, os Bauls são "um grande grupo de pessoas espalhado por Bengala Ocidental, que carrega por mais de mil anos uma tradição de contar histórias relativas ao ser humano através de músicas, danças, performances, gestos, silêncios, olhares...". Ele os insere dentro do contexto global da cultura itinerante e folclórica, ao lado dos trovadores e ciganos europeus, hobos americanos e rastafáris jamaicanos.
 
O filme apresenta lindas performances dos Bauls ao longo de três capítulos e um epílogo, cujas cenas seguem uma ordem não cronológica e frequentemente contam com cartelas que trazem as letras das músicas sobre buscas pessoais. No processo, diversos "homens do coração" (como os Bauls são descritos em certo momento) entram em foco, como o sensível Paban Das e o conflitante Gaur Khepa, que se conheceram na infância, viveram e tocaram juntos por muito tempo e se separaram alguns anos antes do começo das filmagens. Também aparecem Bauls mais veteranos, como as fortes e francas figuras maternas Ma Gosai e Mira Mahanta, o emotivo Subol Das (professor de Paban e Gaur) e o grande guru Haripada Goshai, que, de forma perspicaz, ironiza o potencial etnográfico do projeto de Ruchir, dizendo a ele: "Nós filmaremos vocês, em suas casas, como vocês estão filmando o nosso festival".
 
O cineasta também coloca sua própria voz de narrador no filme, refletindo em diversos momentos sobre por onde começar e como explicar as vidas de seus protagonistas. Entramos em sua casa em Calcutá, observamos suas referências musicais, anotações, desenhos - os quais também aparecem nos intertítulos dos capítulos - e ouvimos as suas indagações sobre o que estamos assistindo, seja os Bauls ou um filme sobre eles. No processo, Ruchir situa os Bauls ao lado de artistas bengaleses, como o escritor Rabindranath Tagore e os cineastas Satyajit Ray e Ritwik Ghatak, assim como músicos e escritores americanos e europeus (Laurie Anderson, Bob Dylan, Michel Foucault, entre outros). Uma frase de T. S. Eliot, "e o fim de toda nossa exploração será chegar no ponto de partida", sublinha a estrutura circular do filme, que serve como um inestimável registro histórico ao mesmo tempo que contempla sua razão de ser e método de execução.
 
Egaro Mile (Onze milhas) começou como uma produção independente em 1988 e foi finalizado com o apoio do Channel 4, no Reino Unido, em 1991, mesmo ano em que ele ganhou o prêmio Joris Ivens no festival Cinéma du Réel. O filme, junto aos outros dois filmes de Ruchir Joshi realizados no mesmo período, foi restaurado digitalmente entre 2017 e 2018 pelo Arsenal - Institut für Film und Videokunst e.V., em Berlim, a partir do negativo de câmera original em 16 mm e uma fita magnética em 16 mm da mixagem final do som. As exibições do filme no IMS marcam sua estreia brasileira.
 
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