SOBRE / ABOUT        CONTATO / CONTACT
Sweet Movie
Dir.: Dušan Makavejev | Alemanha Ocidental/Canadá/França | 1974 | 98 min | Ficção | 18 anos | Legendado
 
05 de dezembro de 2024 (quinta-feira), às 20h30
CineSesc - R. Augusta, 2075 - São Paulo

 
Miss Canadá (interpretada por Carole Laure) vence o concurso de Miss Universo de 1984 e seu prêmio consiste no casamento com Mr. Dollars (John Vernon), o homem mais rico do mundo. Na noite de núpcias, a bela e jovem virgem se dá conta de que seu marido germofóbico possui um membro de ouro. Ao expressar seu descontentamento, a jovem é descartada e despachada para outro país em uma mala de viagens. Enquanto isso, abordo de um navio cuja carranca é a face chorosa de Karl Marx, uma polonesa romântica chamada “Anna Planeta” (Anna Prucnal) cantarola hinos comunistas, navegando pelos canais de Amsterdã e atraindo a atenção dos que estão as margens – entre eles, um jovem e inocente sobrevivente do navio de guerra Potemkin (Pierre Clémenti). Duas mulheres vivem as consequências de dois sistemas políticos que venderam a liberdade e entregaram violência e opressão. Sweet Movie provocou escândalos na época do seu lançamento, inclusive sendo censurado em diversos países. Ele será apresentado em uma cópia 35 mm do acervo da ex-distribuidora brasileira Mais Filmes, na ocasião do seu semicentenário e em homenagem ao cineasta iugoslavo Dušan Makavejev (1932-2019), que trabalhou no filme com uma equipe internacional.
 
*A sessão de Sweet Movie contará com uma apresentação em video de Nace Zavrl, estudioso do cinema da ex-Iugoslávia.
 
Agradecimentos da sessão: Cláudio Silva + Renata de Almeida/Filmes da Mostra, Greg de Cuir, Jr., Jurij Meden/Osterreisches Filmmuseum, Mirjana Podunavac, Nace Zavrl, Paulo Sacramento, Pavle Levi, Siniša Podunavac
 
A sessão também é dedicada à memória de Bojana Makavejev, a esposa de Dušan Makavejev e colaboradora em diversos filmes dele, que faleceu no final de 2021.
 

“Sweet Movie: O lado doce da arte destrutiva”
 
O texto a seguir foi escrito por Dušan Makavejev e originalmente publicado em 2008 em inglês, na edição #47 da revista online Senses of Cinema.   A tradução para português foi postada aqui com a permissão da publicação.
 
Como eu consegui que Otto Muehl e a AA Kommune (Actions-Analytic Kommune) entrassem no meu filme? As filmagens de Sweet Movie foram planejadas para outubro de 1973. Na versão anterior do roteiro, a personagem feminina principal acaba catatônica em um hospital psiquiátrico. Ela volta à vida sendo tratada a partir de uma perceptiva não intervencionista de um médico silencioso que eu imaginava como minha variação do inglês R. D. Laing.Eu não conheci Laing pessoalmente, mas ele me fascinou com sua inteligência, audácia, natureza lúdica, percepção radical e respeito genuíno pela vida. Ele era um curador apenas ao estar por perto.
 
Um punhado de filmes de Viena que foram exibidos em um pequeno cinema “underground” em Munique então me levou à uma experiência inesperada e difícil de explicar que mistura encanto, repulsa e medo. Eu oscilava entre surpresa, fascínio e repulsa. Os filmes eram barrocos, até rococós — uma cascata de cenas prolongadas de “sangue, merda e lágrimas”, agonia, sujeira, o que foi chamado de “sadismo” — como se alguém estivesse convidando minha estupidez a dar um passo à frente. Os autores dos filmes, obviamente, queriam que eu ficasse assustado ou furioso. O público estava saindo do cinema em pânico. Eu nunca havia enfrentado a anarquia da vida purificada de humor. No entanto, o caos orquestrado na tela continha muita ousadia e um “algo” genuíno e indefinível. E, também, o sangue era mais frequentemente ketchup, e o caos era principalmente um excesso de farinha sendo derramado ao redor.
 
O que eu vi na tela me fez perceber agudamente que, em vez de encenar alguma meia-fantasia desajeitada minha com atores contratados, eu poderia, e deveria, colocar minha atriz principal em uma espécie de coletivo antipsiquiatria. Decidi entrar em contato com Otto Muehl.
 
Na época, a comuna estava rejeitando visitantes, mas consegui encontrar cerca de duas dúzias deles morando em um grande apartamento na Praterstrasse, em Viena. Eles viviam sem ler jornais ou assistir televisão, em uma espécie de vida familiar muito animada e comunicativa. Só mais tarde percebi que eles estavam fortemente conectados também pelo casamento coletivo. Felizmente, o único filme que eles tinham visto no ano anterior era o meu W. R. – Mistérios do organismo (W.R. – Mistirije organizima, 1971), então eles me deixaram entrar para uma visita curta.
 
Eles eram gentis e legais uns com os outros, e comigo, mas sobre estarem no meu próximo filme eles disseram não. O “não” deles não foi uma recusa – eles simplesmente não estavam interessados. No entanto, consegui a permissão deles para visitá-los mais uma vez na semana seguinte em sua fazenda em Burguenlândia, uma terra meio árida e perto da fronteira com a Hungria. Eles não estavam interessados no glamour de estar em um filme e na publicidade resultante, nem na chance de ganhar algum dinheiro. Era um coletivo de outsiders não agressivos. (Movendo-me pelo espaço deles, fui testado, observado por todos, sem saber que minha tarefa não declarada era seduzi-los.)
 
Após negociações prolongadas, conseguimos que oito deles se juntassem ao nosso elenco e ficassem conosco por uma semana em uma velha fábrica abandonada em um subúrbio de Paris. (Com o dinheiro que ganharam com o filme, eles compraram uma ou duas vacas, para terem leite para seus filhos.)
 
Então, lá estava eu na semana seguinte, no fim do mundo, numa região escassamente povoada. Otto Muehl, um pouco mais velho que os outros, era divertido, fácil, tolerante e não exercia nenhuma autoridade. Disseram-me que, se eu quisesse que oito deles participassem da cena do meu filme, toda a comuna teria que ouvir minha história e aprová-la.
 
Eu estava suando frio. Sentei-me com todos eles “a la turca” em um grande círculo. Comecei a contar a história para rostos neutros que me fizeram sentir a estupidez do meu filme e a futilidade do meu esforço. Enquanto eu descrevia cena por cena a trama de Sweet Movie, uma menina de cerca de um ano e meio que estava brincando com um cachorro subiu no meu colo. Eu estava ocupado com minha narrativa e não tive tempo de procurar a mãe da criança, então acomodei a menina no meu colo e continuei falando desesperadamente. A criança adormeceu. Parece em retrospecto que isso foi um voto de aprovação.
 
A “comuna” no filme [“A Via Láctea”] consistia em oito membros de Viena e outros oito jovens atores de Paris selecionados por meio de alguns exercícios interessantes. As cenas da comuna mudaram muito do roteiro original. Eu mantive apenas a ideia de que a garota catatônica entra na comuna e, em um certo ponto, começa a voltar à vida. Decidimos filmar por vários dias, um tema por dia. O primeiro dia foi o “Dia do ninho e do leite”, o próximo foi o “Dia da comida”, o próximo o “Dia do renascimento” e o último seria o “Dia do sangue”.
 
Dia após dia, filmamos por apenas algumas horas. Todas as cenas eram boas e utilizáveis. Os membros da comuna eram colaborativos e entusiasmados, e os atores de Paris se misturavam bem com eles. A maioria da equipe criativa estava inspirada e positiva. Parte da equipe profissional seguia sem entusiasmo. Parecia que não estávamos “seguindo o roteiro”, e eu sabia que algumas pessoas estavam com medo do caos. Tentei explicar para elas que estávamos obtendo imagens muito melhores do que o planejado.
 
A verdadeira tensão ficou com a atriz principal do filme, Carole Laure, que participou de forma brilhante e corajosa, especialmente na cena do almoço selvagem. A cena foi improvisada e filmada em menos de duas horas. O almoço real foi filmado sem ensaios, continuamente com a câmera portátil circulando ao redor da mesa duas vezes. No final, a mesa inteira e a comida foram destruídas e terminamos a filmagem. Quando Otmar Bauer começou a mijar em Herbert Strumpfel, seu parceiro, foi tão alegre e hilário. (Otmar Bauer foi-me apresentado como o contador da comuna, e Herbert Strumpfel estava por perto. Ambos fizeram vários dos seus próprios filmes como Acionistas Vienenses.)
 
Acho que interpretei corretamente a “destrutividade” da comuna como respeito pela vida em toda a sua natureza selvagem, imprevisibilidade, liberdade e prazer. Celebração. Estava claro para mim que todas as suas ações, feias ou chocantes, eram pura brincadeira e performance, inocentemente oferecidas a eles mesmos e aos olhos da câmera, e politicamente mais do que corretas.
 
Eu não podia saber que estava experimentando, vinte anos antes do seu tempo, com o que seria chamado de “reality show”. Eu apenas senti que não deveria interferir nos acontecimentos. Esta Caverna dos Horrores de Ali Baba que nos foi oferecida, e brilhantemente registrada pela câmera na mão de Jan Lemasson, foi um presente genuíno de poesia desagradável. Eu apenas disse a Vincent Malle, o produtor, que estávamos recebendo um material incrível que eu não poderia censurar. Pedi a ele que me deixasse fazer, sem custos extras, um documentário independente de vinte a quarenta minutos. No longa-metragem, eu usaria talvez sete a dez minutos integrados ao resto do filme, estilisticamente entrelaçados com humor e cor. Ele disse de jeito nenhum. Eu não conseguia acreditar que ele não estava ciente de que teríamos algum tipo de aglomeração monstruosa de imagens desconfortáveis no final do filme.
 
Em retrospeto, acho curioso que, pensando no meu próprio filme, cuja produção estava perto do início, não fiquei intimidado pelo fato de que a exibição em Munique terminou com um cinema vazio. Em uma exibição de Sweet Movie em Taormina, um ou dois minutos após a cena da comuna, algumas dezenas de pessoas se levantaram e saíram correndo da sala de exibição. E minutos depois, outras três, cinco e uma dúzia de pessoas foram embora. Foram momentos ruins. Quando saí para ouvir o que estavam dizendo, encontrei todos assistindo ao filme pelas portas de saída. Quando a cena da comuna terminou, todos voltaram para seus assentos.

 
CINESESC - MAIS INFORMAÇÕES

 
MUTUAL FILMS