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"Dente-de-leão + A dama de Constantinopla" (2 filmes, 97')
Márta Mészáros/Judit Elek | Hungria | 1964-1969, 97', 35 mm para DCP
 

O curta-metragem documental Dente-de-leão foi um dos primeiros filmes autorais feitos por Márta Mészáros na sua Hungria nativa, após se formar na União Soviética e dirigir documentários na Romênia e em seu país. No filme compassivo e cheio de close-ups, observamos um garoto (Zoltán Zeitler) matar o tempo entre as casas dos pais divorciados. Ele brinca na rua com outras crianças e segue para o apartamento de seu pai em um condomínio de prédios recém-construído pelo governo comunista para resolver o problema de moradia de Budapeste nos anos 1950. Lá, ele encontra a jovem madrasta, que prepara o almoço até a chegada do pai. Mais interessado na nova parceira, o pai trata o menino com desdém e ressentimento. Em resposta, o garoto larga o almoço pela metade e volta para a rua. Acompanhamos seu percurso despreocupado até a casa da mãe, em um bairro pobre e antigo que parece ainda sofrer os infortúnios da Segunda Guerra Mundial. Lá, ele também não tem espaço e divide com a mãe um imóvel de um único cômodo, onde não pode ficar enquanto ela se arruma para sair. Deixado sozinho à noite, o garoto toca um pouco seu violão e obedientemente se arruma para dormir.
 
Judit Elek também fez seu longa-metragem de estreia (cujo título original se traduz como "uma ilha no continente") sobre o problema da moradia em sua cidade natal de Budapeste. A dama de Constantinopla acompanha uma velha solitária (interpretada por Manyi Kiss, uma grande estrela do cinema húngaro, em um de seus últimos papéis). A viúva sem filhos passa seus dias relembrando sua juventude e forte vínculo com o pai - um comandante de navio que a levou para conhecer o mundo. Enquanto a mulher abastada vive em seu passado glorioso, habitando um apartamento espaçoso e cheio de suvenires de lugares distantes, seus vizinhos mais pobres e amargurados são esfolados pelo trabalho doméstico e pela aglomeração. Ela procura compartilhar suas histórias com todos ao seu redor, porém o desespero resultante da escassez da vida presente não permite sonhos ou lembranças daqueles que a rodeiam. A morte de um vizinho idoso e a crescente pressão dos outros ajudam a dama a decidir trocar de apartamento, algo então comum em uma sociedade que pregava a necessidade de sacrificar os bens individuais pelo bem coletivo.
 
O magnífico lar da protagonista foi desenhado pelo cenógrafo Tamás Banovich (também responsável pelo desenho de produção de A garota). E, ao acompanhá-la em busca de um novo imóvel, o filme sai do mundo da ficção para perceber a realidade direta da moradia em Budapeste. Para captar essa realidade, Elek e seu cinegrafista, Elemér Ragályi, usaram como referência o cinema direto francês e a própria experiência dos dois com documentários. Eles colocaram a atriz principal em confronto com pessoas nas ruas e, ao misturar a presença corporal dos passantes com o texto escrito pelo roteirista Iván Mándy, criaram um efeito estético que a cineasta chamou de uma "levitação ligeiramente surrealista". [1]
 
Dente-de-leão foi restaurado em 4K pelo Arquivo Nacional de Cinema da Hungria junto a dois outros curtas documentais de Mészáros e diversos longas de ficção. A dama de Constantinopla foi restaurado em 4K pela mesma instituição a partir do negativo original e uma cópia em 35 mm. A restauração de A dama já passou em diversos festivais, inclusive no Festival de Cannes (na mostra Cannes Classics), onde a estreia mundial do filme em 1969 foi recebida com longos aplausos em pé.
 

[1] Citado em húngaro no site do Arquivo Nacional de Cinema da Hungria.
 

 
O programa conta com os filmes:
 
Dente-de-leão
(Bóbita)

Márta Mészáros | Hungria | 1964, 20', 35 mm para DCP
Fonte da cópia: Arquivo Nacional de Cinema da Hungria (Magyar Nemzeti Filmarchívum)
+
A dama de Constantinopla
(Sziget a szárazföldön)

Judit Elek | Hungria | 1969, 77', 35 mm para DCP
Fonte da cópia: Arquivo Nacional de Cinema da Hungria (Magyar Nemzeti Filmarchívum)
 

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