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"Camille Billops"
 
A entrevista com Camille Billops e James Hatch por Ameena Meer foi encomendada e publicada pela primeira vez na BOMB No. 40, verão de 1992, e aparece em português com o consentimento da autora. Os direitos autorais são de BOMB Magazine, New Art Publications e seus colaboradores, com todos os direitos reservados. O Arquivo Digital BOMB pode ser visualizado em: bombmagazine.org. Os notáveis textos recentes sobre a obra cinematográfica de Billops e Hatch incluem o ensaio "A Tendency Toward Dirty Laundry: Camille Billops and James Hatch's Unflinchingly Personal Cinema" , de Yasmina Price.
 

Ameena Meer: Como você foi do fazer artístico para o fazer cinematográfico?
 
Camille Billops: Em 1968, meu marido James Hatch e eu passamos cinco meses na Índia encenando America Hurrah, uma peça socialmente consciente sobre a condição dos Estados Unidos. Assim, o Sr. e a Sra. Casal Inter-racial se apresentaram em Calcutá, Bombaim e Bangalore. Mas Calcutá foi o mais legal: usávamos um teatro inacabado e as cenas eram feitas em ambientes, em labirintos, em pequenos túneis. Para todos nós, foi um choque cultural. Eu queria que os atores andassem pelas pernas de uma Super Loira. Bem, na Índia, eles não deixam você passar pelas pernas de nenhuma mulher. Então transformamos Super Loira em um homem. A peça dizia coisas do tipo: "E como sempre, ele não disse nada. E como sempre, eu fui embora." Era sobre a sensação de estar envolvido em situações sem sentido que você nunca resolve. Quando o pessoal dos Serviços de Imigração finalmente viu a peça, ficaram assustados que o governo americano havia patrocinado uma peça anti-Johnson com todos aqueles comunistas bengaleses. Oh, foi esplêndido e maravilhoso!
 
Depois, fizemos uma turnê de palestras pela Tailândia e Malásia. Conhecemos um dramaturgo sino-malaio, Lee Joo For, que "vazou" para a imprensa que Jim iria fazer sua peça Son of Zen na Broadway. Bem, como Jim colocaria essa peça budista na Broadway? Mas isso fez com que o rei e a rainha da Malásia comparecessem à apresentação e fez com que o governo dos Estados Unidos concedesse a ele uma bolsa de viagem. Então, quando voltamos para Nova York, fizemos a peça. Todos os budistas que conhecíamos vieram ao nosso loft na East 11th Street. Continuamos a fazer peças, uma sobre os Panteras Negras, outra sobre a cidade. Fazíamos leituras de poesia, fazíamos exposições. Foram atividades auto motivadas e muito divertidas. E então começamos a Coleção Hatch-Billops, um acervo de documentação de negros norte-americanos nas artes, porque pensamos: "Mais ninguém vai fazer isso". O cinema era apenas mais uma forma de arte, apenas um material diferente. Então, em 1978, fizemos um filme sobre minha sobrinha viciada em heroína.
 
Meer: Suzanne, Suzanne.
 
Billops: Chamei o filme assim porque quando ela me contava suas experiências, eu dizia: "Oh, Suzanne!Suzanne!" Depois fizemos Mulheres mais velhas e o amor, um filme sobre minha tia e seu jovem amante. Encontrando Christa foi nosso último filme. Agora estamos dizendo: "Bem, por que não fazer este filme sobre racismo?" Porque sempre falamos sobre racismo e sua dinâmica interna. Eu inventei o A butique KKK não é apenas de caipiras.
 
Meer: Onde você estudou?
 
Billops: Estudei artes na USC [University of Southern California] em 1954, depois de ter ido para o City College em Los Angeles. Na USC a educação é a mais clássica possível para artistas. Junto com escultura, desenho, cerâmica e tecelagem, estudei anatomia, neurologia, fisiologia, ortopedia, cinesiologia. Em anatomia, tínhamos seis de nós num cadáver. Cortávamos corpos.
 
Meer: Como em Leonardo Da Vinci.
 
Billops: Foi uma coisa linda. Aí engravidei. Tive que mudar de curso e ir para outra escola. Isso me atrasou três anos, mas eu trabalhava durante o dia, em tempo integral no banco e ia para a escola à noite. Mas a certa altura decidi que não queria ser mãe de ninguém. Queria voltar ao lugar que considerava uma intersecção. E, nos Estados Unidos, é possível fazer isso porque as restrições às mulheres são um pouco diferentes e tudo é um pouco mais anônimo.
 
Meer: Seria impossível perder o seu passado dessa forma numa sociedade menos transitória. Como você escolheu assuntos tão pessoais para seus filmes? O vício em drogas de sua sobrinha, o amante de sua tia, a filha que você deu para adoção: eles estão tão perto de casa que eu acharia impossível abordá-los em um filme.
 
Billops: Talvez seja auto-exibicionismo. Muitas pessoas não falariam sobre essas coisas. Aprendo com cada espectador. Na maioria das vezes, as pessoas dizem: "Isso foi corajoso. Nós admiramos isso. Era importante dizer isso." Muitas vezes, não dizemos coisas que deveríamos. Eu tentei dizer essas coisas. Tendo em vista um panorama maior, é assim que o filme deve ser considerado - não como uma história pessoal, mas como um exemplo das ideias mais amplas sobre as mulheres. Mulheres como guardiãs de ninhos, mulheres como mães e como elas são honradas. As mulheres podem ser aventureiras e exploradoras. Às vezes os homens querem ser guardiões do ninho, mas não permitimos isso. Encontrando Christa é um apelo para que as mulheres pensem sobre suas escolhas. Você nunca deve permitir que ninguém tire essas escolhas de você. As palavras de controle para as mulheres são palavras morais. Vão te chamar de "puta" se você quiser ficar de bobeira na rua, só para ouvir as novidades. Você não pode ficar naquela rua, poisos homens irão te rodear e te afastar do espaço público. Então, sempre tive curiosidade sobre isso. Sou feminista, mas algumas das mulheres brancas, como as Kate Milletts do mundo e aquele grupo que queria ir ao Irã para libertar as mulheres por trás do véu, eu disse para elas: "Coloque sua bunda nas ruas, veja o quão livre você é. Dê uma olhada naquela esquina, você vai precisar de uma submetralhadora."
 
Mas ainda não sabemos o fim disso, tem sido uma aventura muito interessante. Às vezes, após assistir Encontrando Christa, as mulheres falam comigo sobre os filhos que estão procurando ou que talvez devessem ter doado para adoção. Mas elas não dizem isso de forma aberta, tendem a sussurrar comigo depois.
 
Meer: Ao assistir Mulheres mais velhas e amor, pensei que o sexo na vida de mulheres mais velhas é um assunto tão tabu que fiquei paralisada e envergonhada ao mesmo tempo.
 
Billops: Você entendeu o filme? Porque as piadas são pretas. Se você não entende as piadas, é difícil entender o filme.
 
Meer: Eu achei engraçado.
 
Billops: Há algumas sutilezas, como quando Patty Bown fala sobre o jovem que foi visitar uma mulher no Harlem que tinha apenas um dente. É uma conversa maliciosa: "Acho que ele se acomodou no dente daquela senhora". E, ao falar sobre sexo oral: "Acho que ela deu de dente nele até a morte, hein?" Mostrei aquele filme em Port Jefferson [uma pequena cidade no estado de Nova York], para um público de mulheres brancas, e elas não entenderam. Então nada aconteceu.
 
Meer: Encontrando Christa, sobre o ato de entregar sua filha para adoção, exigiu coragem para fazer.
 
Billops: As pessoas veem isso como bravura, mas eu penso no filme como uma limpeza. Muitos homens querem te jogar no chão e fazer você pedir desculpas: "Você não está feliz por tê-la encontrado?" Eles estão dizendo com isso: "Você não vai se arrepender e ser uma mãe de verdade agora, já que tem uma chance?" Um velho amigo meu, que nunca se casou, me falou: "Você deve fazer isso por ela e deve fazer aquilo". E eu disse: "Eu não aceito isso de homens sem filhos". Eles querem que você seja uma boa garota. Mas muitas pessoas são seres pensantes. E o filme faz com que as pessoas pensem.
 
Meer: Você fez seu primeiro filme, Suzanne, Suzanne, por algo em torno de…
 
Billops: $20.000,00, e fizemos Mulheres mais velhas e o amor por $34.000,00. Encontrando Christa foi feito por em torno de $85.000,00.
 
Meer: Isso é incrível.
 
Billops: Nós não pagamos ninguém. Somos baratos. Tenho orçamento para cinegrafistas, mas eles não recebem todo esse dinheiro! Eu digo: "Olha, seu imposto de renda não precisa disso de qualquer forma. Então por que você não pega apenas esses dois mil dólares?"
 
Meer: Onde é que você encontra as suas ideias?
 
Billops: Jim e eu conversamos em um vai e vem. Nós seguimos contando a história um para o outro, até surgir algo. Para o filme A butique KKK não é apenas de caipiras, pensamos inicialmente em convidar nossos amigos para conversar sobre seus racismos individuais. Mas eles são todos mais velhos e rígidos, fechados e cautelosos. Ao mesmo tempo, eu estava conversando com jovens estudantes do Art Institute of Chicago, e talvez porque certas tristezas não tenham acontecido com eles, foram muito mais abertos. Eu disse a eles que não tínhamos permissão para falar sobre nosso racismo porque era uma coisa muito vergonhosa. Você não deveria ser assim. É uma pena, pois devemos tratá-lo como tuberculose. Suponha que você tivesse vergonha de ter tuberculose, como costumava ser o caso. Falei com eles sobre meu racismo. Eu disse: "Veja desta forma. É um servente ruim, não entrega o que você quer. A pessoa que você odeia não vai embora, a situação não vai embora pelo ódio, e você é reativo e coloca seu corpo em uma situação muito estressante, e se você fizer isso durante um período de tempo, você vai adoecer. Você gasta toda a sua energia com isso."
 
As pessoas vêm aqui [para os Estados Unidos] com atitudes preconcebidas. Elas têm essas atitudes em seus próprios países em relação à cor e à classe. Vi tudo isso no Egito: as pessoas de pele clara entrando e as morenas segurando a porta. E em Taiwan, todas as meninas usam luvas e chapeuzinhos brancos porque não querem escurecer. Um aluno estava surfando, nadando no oceano, escondido sob um guarda-chuva. Eu disse: "Você não vai escurecer, o sol já se pôs".
 
Neste país, falamos sempre do preto e branco das coisas. Pessoas negras acusando pessoas brancas e, nesse meio tempo, todos nós simplesmente sujamos uns aos outros o máximo que podemos. A América Negra tem dificuldades com outras minorias, porque as veem como algo que existe entre eles e o prêmio, que deve ser entregue aos negros por causa da escravidão. Então, queremos abordar toda a dinâmica disso, mas também queremos lidar com a loucura de coisas como: Por que as pessoas brancas e pobres se tornam neonazistas? Elas são de um dos grupos mais ignorados da América. As classes altas sempre chamam os brancos pobres de "lixo". Então, como eles chamam sua atenção? Agindo, tornando-se neonazistas, membros da Klan, a nação ariana, o Partido do Povo Branco, skinheads. E seus homólogos, que conseguem ingressar em Harvard, simplesmente mantêm você fora do clube e da vizinhança. E fora das conversas de poder nas festas. Eles são diferentes?
 
Meer: Onde você acha que caberão todos os novos imigrantes do Sul da Ásia e do Sudeste da Ásia?
 
Billops: As coisas acontecem com você neste país porque você tem pele escura. Não necessariamente porque seu cabelo está grande, mas porque você tem pele escura. Essa é a primeira coisa que eles veem. Então, estou curiosa sobre o grupo que existe no meio, para onde eles vão, o que fazem com isso.
 
Será difícil dizer: "Sou apenas uma pessoa". Não, você não pode ser "apenas uma pessoa" aqui, você tem que ter um grupo. E se vai ser com brancos, você tem que ser realmente branco. Nada engraçado aqui. Veja, com a América Negra há uma definição legal. Se você tiver 1/32 de sangue negro - isso significa uma bisavó negra - você é negro. Isso só acontece neste país, por causa da escravidão. Não existe em nenhum outro lugar do mundo. Na América Negra, existem castas de cor, baseadas na escravidão, que são perpetuadas pela América branca e carinhosamente nutridas pela comunidade negra. Pelo que tenho visto em outras culturas de cor, sistemas muito semelhantes estão em funcionamento. É o racismo que vem por dentro do grupo, e isso é muito poderoso. Portanto, os brancos não são os únicos atores no palco. Se você não admite seu próprio racismo, como espera continuar enfrentando os brancos sobre o racismo deles?
 
Meer: Dentro da comunidade negra, o casamento inter-racial é mal visto? Até os meus amigos indianos que passaram toda a vida na Inglaterra e nos Estados Unidos se veem casando com outros indianos, de preferência da mesma parte da Índia. E então a intensa pressão dos pais, parentes e amigos é suficiente para fazer com que um relacionamento inter-racial desmorone.
 
Billops: Eu sempre digo às mulheres negras que estão procurando maridos - profissionais, médicos e ainda assim elas desmoronam porque não conseguem um homem negro - eu digo: "Você é poderosa, você tem uma águia em seu passaporte, e você tem um cartão de plástico, então por que não faz um anúncio? Você quer algo preto? Pegue um homem do sul da Índia, pois eles são tão pretos que são azuis." Você pode conseguir o que quiser, faça um anúncio, faça um casamento arranjado. Eu disse: "Quer um filipino? Eles são muito bonitos também. E há o belo povo taiwanês."
 
Todo mundo tem uma forma de tribalismo. Minha irmã chamava a atenção dos homens negros porque ela tinha um namorado porto-riquenho. Se ela estivesse na rua com duas crianças desagradáveis e precisando de um papai, eles não olhariam para ela. É o tribalismo masculino que vê as mulheres como propriedade.
 
Meer: Você tem seu maior racismo em relação a quem?
 
Billops: Você pode descobrir ao assistir A butique KKK não é apenas de caipiras.
 
Meer: Jim, me conte seu lado da história. Como foi que você começou a fazer filmes sobre a família de Camille?
 
James Hatch: Por acidente. Todas as ideias são de Camille. É a família dela, e as ideias são dela, e nós apenas damos apoio. E a família dela é muito cooperativa, confessional, eu os conheço há uns 30 anos, então eles não são estranhos. Então eu faço o roteiro e a direção.
 
Meer: Vocês escreveram os roteiros com antecedência?
 
Hatch: Nós escrevemos os roteiros e nunca usamos porque sempre deixamos as pessoas contarem suas próprias histórias, do seu jeito. Mas temos uma direção com perguntas que queremos fazer e áreas que queremos cobrir. Definimos o que estamos procurando. Talvez consigamos, talvez não. Acabamos gastando muita película.
 
Meer: Para Encontrando Christa, vocês dois tinham uma ideia clara do que estavam fazendo juntos? As suas ideias devem ser diferentes.
 
Hatch: Camille e eu geralmente vemos a mesma coisa, mas não exatamente. Ela te mostrou aquela crítica que foi escrita sobre Encontrando Christa? É uma crítica positiva, mas em um momento ela diz: "Camille não revela nada sobre si mesma, ela continua sendo um enigma". E de certa forma, é verdade. Camille fala muito e dá sua opinião, mas no final, você realmente não sabe muito sobre ela.
 

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