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Ma’loul celebra sua destruição
Ma’loul tahtafilu bi damariha Michel Khleifi | Bélgica/Palestina | 1984, 33’, 16 mm para DCP (Sindibad Films Ltd., Inglaterra) + Uma vez entrei num jardim Nichnasti pa’am lagan Avi Mograbi | Israel/França/Suíça | 2012, 99’, HD para DCP (The Party Film Sales, França) Uma vez entrei num jardim começa com uma discussão em uma cozinha em Tel Aviv em torno do convite feito pelo cineasta israelense Avi Mograbi ao seu amigo de longa data, o professor palestino de árabe Ali Al-Azhari, para participar do seu próximo filme. O documentarista inventivo e o ator aspirante chegam ao acordo de que nada entrará no corte final sem o consentimento dos dois. O que se segue é uma troca de fotos e documentos na busca das histórias de família dos dois homens, ao longo de uma conversa realizada tanto no hebraico perfeito de Ali – que vive em Israel desde a destruição de sua aldeia nativa de Saffuriya, em 1948 – quanto no árabe hesitante e quebrado de Avi, que o palestino trabalha pacientemente para corrigir. A família de Mograbi, originaria da Itália, morava por gerações na Síria antes da formação do Estado de Israel. Eles se deslocavam livremente entre Beirute e Tel Aviv, em uma época em que era possível consultar quase todos os endereços do Oriente Médio em uma única lista de classificados trilíngue (árabe, francês e inglês). Avi conta um sonho no qual ele se encontra com seu avô Ibrahim, em Damasco, sem saber em qual língua eles falam, e pede para Ali interpretar o patriarca. Em outro momento, referindo-se a uma foto do bisavô de Mograbi, Ali diz: “Ele era um árabe no seu modo de vestir, nos seus gostos, nos seus anseios, na sua música e nos seus sonhos. Mas a sua religião era o judaísmo.” Despertado por imagens da Revolução Egípcia de 2011, Ali traz seu próprio sonho: o do direito de retorno dos palestinos a suas terras expropriadas. Ele e Avi são acompanhados pelo cinegrafista francês Philippe Bellaïche e, em certo momento, pela filha de dez anos de Ali, Yasmin, uma menina curiosa de descendência mista, fruto do casamento de seu pai com uma mulher israelense. As cenas da trupe se intercalam com imagens em super-8 do Líbano atual, ao som da leitura de cartas de uma mulher sem nome em Beirute (interpretada pela voz de Aysha Taybe) a seu amante em Israel. O filme termina em um passeio no local de nascimento de Ali, onde atualmente, uma terra ocupada, os portões se fecham para “estranhos”. O título do sexto longa-metragem de Mograbi se inspira na música preferida dos amantes (interpretada pela cantora egípcia Asmahan), que expressa saudades por um tempo mais afetuoso. O diretor se referiu a Uma vez entrei num jardim como seu filme mais radical, por representar “a primeira vez que eu comecei um projeto não porque eu estivesse frustrado ou com raiva de algo ou de alguém, mas de um outro ponto de vista”.[1] Diferentemente de seus filmes anteriores, nos quais Mograbi se dedicou a denunciar os abusos dos governos israelenses contra a população palestina, dessa vez ele busca comunhão com seus personagens. Ma’loul celebra sua destruição, o curta-metragem do palestino Michel Khleifi que precederá Uma vez entrei num jardim, retrata os ex-moradores do vilarejo do título, que foi destruído durante a Primeira Guerra Árabe-Israelense, assim como outras mais de 250 aldeias palestinas. O filme inicia com os expropriados celebrando a história de sua aldeia entre as ruínas do local, para onde são autorizados a retornar uma vez ao ano (14 de maio, o dia de comemoração da independência do Estado do Israel). A lembrança de Ma’loul permanece na mente dos mais velhos, que passam sua história para os jovens durante a celebração, e em uma pintura do vilarejo. “Nós, que nascemos aqui, nunca vamos esquecer”, diz um dos ex-moradores da aldeia. Em contraponto, em uma sala de aula, um professor e nativo de Ma’loul ensina seus alunos a história oficial da fundação de Israel. Ma’loul celebra sua destruição foi restaurado em 2K em 2018 sob a supervisão de Michel Khleifi, dentro de um projeto de restauração dos filmes do cineasta pela Cinemateca Real de Bélgica. Uma vez entrei num jardim estreou no Festival de Cinema de Roma em 2012 e circulou em muitos festivais subsequentes, inclusive dentro de em uma retrospectiva dos filmes de Mograbi no forumdoc.bh em 2014. Segundo o cineasta, Ali e sua família estão bem. A exibição dos filmes no dia 25 será acompanhada por uma leitura pela poeta israelense Tal Nitzán, que estará no Brasil como convidada do Festival Artes Vertentes.
[1] Citado em uma entrevista com o diretor realizada pela equipe do
festival forumdoc.bh em 2014
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