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“‘Eu nunca ganhei a vida fazendo filmes’:
Michael Roemer sobre Nada além de um homem e The Plot Against Harry” A entrevista com Michael Roemer a seguir foi originalmente publicada na Filmmaker Magazine em 16 de agosto de 2022. A conversa entre ele e o crítico e jornalista norte-americano Nicolas Rapold apareceu logo após o primeiro lançamento comercial em Nova York do filme de Roemer A vingança é minha ( Film Forum ) e na ocasião de uma homenagem em Nova York ao laboratório DuArt ( Filmmaker ) e aos irmãos Robert e Irwin Young. Agradecimentos vão a Rapold pela sua permissão de postar a tradução da entrevista do inglês para o português. Nicolas Rapold: Você trabalhou com Robert M. Young no filme Nada além de um homem. Como surgiu a parceria entre vocês? Michael Roemer: Surgiu a partir de um filme que Bob Young e eu fizemos na Sicília, Cortile Cascino. Já estávamos na casa dos trinta naquela época. Cortile Cascino era sobre a pobreza na Sicília e as filmagens foram uma aventura extraordinária. Esse foi certamente o primeiro filme do qual me senti muito orgulhoso. Eu tinha saído de filmes de ficção — trabalhei em filmes da indústria cinematográfica e comecei a fazer meus próprios filmes. Bob estava fazendo documentários na época – nos conhecíamos da faculdade – e ele me convidou para acompanhá-lo neste projeto. Eu tinha algumas ofertas de trabalho muito atraentes naquela época, mas queria aprender mais sobre a coisa que Bob tinha passado os 12 anos anteriores de sua vida fazendo. Eu provavelmente não teria ido com ninguém além dele. Nós sempre gostamos um do outro, mas não éramos amigos próximos na faculdade. Tínhamos origens muito diferentes. Eu sou europeu, ele é norte-americano; ele era do campo da antropologia, enquanto eu era mais da literatura e das artes em geral. Havia algo sobre o relacionamento concreto de Bob com o mundo que parecia muito importante para mim. Por outro lado, acho que ele viu que eu poderia trazer para nossa colaboração algo da minha experiência de vida e do meu ponto de vista. Cortile Cascino nunca passou na televisão. Nós ficamos furiosos e deixamos a rede NBC, pois eu achava que eles não queriam colocar tanta pobreza na sala de estar americana, então basicamente destruíram a oportunidade de ver o filme. Bob tem uma visão até mais conspiratória sobre isso. Estávamos determinados a nunca mais deixar isso acontecer, que alguém tirasse nosso próprio filme de nós. Quando estávamos filmando na Sicília, eu disse: “Por que não fazer um longa-metragem de ficção?” Eu era o aprendiz. Eu levei minha própria experiência — Cortile Cascino não teria sido o que foi sem minha presença — mas aprendi muito. Não vou dizer que Bob não aprendeu também. Foi quase como uma troca. Eu tinha a experiência com a ficção e fiz com que encontrássemos todas as pessoas e cenários maravilhosos. Mas sou muito ansioso e Bob é muito confiante, o que não é uma mistura ruim. Nicolas Rapold: Como foi que você escolheu o tema de Nada além de um homem? Michael Roemer: Bob tinha se envolvido nos protestos no Sul dos Estados Unidos contra a segregação. Ele fez um documentário chamado Sit-In sobre os protestos organizados no estado do Tennessee e conhecia os jovens que organizaram o protesto em Nashville. Ele me disse: “Mike, são pessoas fantásticas, vamos ver se conseguimos fazer uma história sobre elas.” Não tínhamos dinheiro e cada um de nós tinha uma família. Então, simplesmente pegamos um carro velho e dirigimos por aí, às vezes seguidos pelo carro do xerife. Passamos seis semanas indo para o “lado errado dos trilhos”. Conhecemos muitas pessoas, e para mim, isso foi uma experiência completamente nova. Acho que havia talvez dois afro-americanos em nossa turma de 900 alunos na Universidade de Harvard. Para mim, a experiência era como estar em um outro país. Eu ficava dizendo: “Qual é a história? Não temos uma história aqui.” Tínhamos todos esses cenários maravilhosos, todas essas histórias de pessoas maravilhosas, mas não havia uma ação central no primeiro plano. Bob disse: “Você vai inventar alguma coisa.” Estávamos bem avançados na nossa jornada. Um dia, no Mississippi, ocorreu-me usar uma história que eu tinha escrito antes sobre um casal recém-casado, e de repente tudo se encaixou. Eu era completamente ingênuo, mas minha formação com a escrita de ficção nos ajudou. Algo que Bob sabia antes de irmos era minha própria experiência como judeu alemão, crescendo em um país antissemita na década de 1930 — um lugar bem assustador — eu me identifiquei com a experiência de ser afro-americano. Espero não soar como se estivesse me gabando. Essa identificação foi feita por judeus americanos que estavam envolvidos no movimento pelos direitos civis dos negros nos E.U.A., que — vamos colocar em termos psicológicos — se identificaram com as pessoas que foram vitimizadas. Nicolas Rapold: E qual foi a história que você achou que poderia funcionar para o filme? Michael Roemer: Era sobre um pai que é muito destrutivo e autodestrutivo, e era realmente muito parecido com algumas das histórias que encontramos conversando com homens afro-americanos. Parecia claro para mim que essa história poderia funcionar. O pai afro-americano que não reconheceu seu filho, ou não conseguiu criá-lo. O modelo, ou a falta de um, você pode até dizer — sem culpar ninguém pela situação. De repente, a coisa toda se encaixou. Escrevemos o roteiro em cinco a seis semanas. Apenas transferimos a situação familiar que eu havia escrito para um cenário afro-americano, com todas as limitações que isso acarreta. Então, adicionamos mais uma geração, e o problema que os homens enfrentaram por não terem como ser pais e maridos — porque sua existência econômica foi destruída, eles partiram. De certa forma, essa é a força do filme. Eu me sinto mal dizendo isso, porque de certa forma isso enfraquece o filme ao torná-lo uma espécie de história universal. Mas eu nunca fui um bom promotor – eu vejo as falhas muito rapidamente. Nicolas Rapold: O que veio depois de Nada além de um homem? Você recebeu alguma proposta para fazer outros filmes? Michael Roemer: Nós éramos tão ingênuos após a realização de Nada além de um homem. Tínhamos agentes chegando e dizendo: “Vocês podem ganhar dinheiro!” Ainda me lembro disso. Mas eu nunca ganhei a vida fazendo filmes. Bem, isso não é bem verdade. Fiquei no Leste e fiz um total de quatro longas-metragens de ficção — não exatamente um grande número, e eu não consegui viver de nenhum deles. Três dos filmes renderam dinheiro, mas tão lentamente que eu não conseguia viver apenas deles. E eu sou inútil como um pistoleiro contratado. Houve uma época em que compramos os direitos de um romance de Elie Wiesel, uma história que estava conectada aos campos de concentração. Eu passei oito meses lendo o livro, mas finalmente eu simplesmente disse: “Não consigo fazer isso”. E não fizemos. Sou grato por isso. Nicolas Rapold: Você pode falar sobre The Plot Against Harry? O filme é tão, tão engraçado, e de uma forma muito particular. Por que não foi lançado até 1989? Michael Roemer: É um filme muito particular — nós éramos loucos por pensar que realmente poderíamos fazê-lo. Devo ter mostrado esse filme para 20 distribuidoras diferentes. Para um cineasta independente, o que acontece quando você faz um filme e ninguém gosta dele? Me senti muito derrotado. Havia um advogado que gostou do filme, e ele o levou para a Columbia Pictures para mostrá-lo ao seu chefe. E ele o mostrou para alguém que eu conhecia, com quem já havia trabalhado anteriormente. Ele ficou encantado ao saber que eu havia feito um filme, assistiu e disse: “Acho que não tenho senso de humor judaico”. E saiu da sala. Ninguém gostou. A pior parte era que tínhamos uma equipe fantástica. Você só pode fazer um filme como esse com pessoas que vão trabalhar muito além de qualquer salário que você poderia pagar a elas, assim como os atores. Nós éramos todos meio que cineastas — nunca é uma pessoa só. Em Nada além de um homem, por exemplo, Bob Young filmou, e Bob Rubin, que era um dos três produtores, fez o som. Tínhamos um editor na montagem inicial que trabalhava de graça. Havia um cara em Nova Jersey — não podíamos filmar no Sul — e ele se tornou o gerente de produção. Havia uma mulher muito legal que fazia os figurinos, que era apenas uma mulher que conhecemos. E havia um assistente de produção afro-americano. E tínhamos algumas pessoas de um projeto em que tínhamos trabalhado em Massachusetts, eletricistas cujo chefe investiu os serviços deles e as luzes em nosso filme. E eu fazia parte do sindicato dos editores e sabia bastante sobre som. Nicolas Rapold: The Plot Against Harry também é um ótimo filme sobre Nova York. Michael Roemer: Eu morava no Lower East Side em 1949, quando era um bairro de imigrantes judeus, com as primeiras incursões de outras pessoas pobres que chegaram à comunidade. Fiquei lá por anos antes dele se tornar um refúgio de artistas. Eu morava em um apartamento no Lower East Side por US$ 16 por mês. Os custos de morar no Village eram proibitivos. Para The Plot Against Harry, filmamos por toda a cidade: Brooklyn, Queens, Manhattan. Mas queríamos muito evitar Nova York como locação. Nós a usamos, mas não há o Empire State Building no filme — evitamos pontos de referência. Há muitos lugares em Nova York, era mais este aspeto da diversidade da cidade que nos interessava. Nicolas Rapold: Essa foi uma era movimentada para a produção cinematográfica em Nova York, com tanto trabalho importante acontecendo ao mesmo tempo. Quem mais você conhecia que estava fazendo filmes na época? Michael Roemer: Era um grupo muito pequeno. Eu conhecia Frederick Wiseman, que produziu o filme The Cool World (1963), dirigido por Shirley Clarke. Fred e eu somos amigos desde então. Eu conhecia as pessoas que fizeram David e Lisa (David and Lisa, 1962). Era um casal [o cineasta Frank Perry e a roteirista Eleanor Perry], e o produtor daquele filme foi muito legal conosco. Eles já tinham passado por isso antes, assim como Shirley Clarke em The Cool World. As pessoas trocavam informações umas com as outras, assim como elas fazem hoje. E então havia um cara chamado Morris Engel [diretor de O pequeno fugitivo/Little Fugitive, de 1953, e Weddings and Babies, de 1958]. Nós o conhecíamos, mas ele estava fazendo outra coisa. Ele era uma banda de um homem só — não havia mais ninguém com ele. John Cassavetes já tinha feito seu filme Sombras (Shadows, 1959) na época, mas eu nunca conheci Cassavetes. Ele foi para a Costa Leste depois disso, e ele estava conectado como ator a outras pessoas. Ele tinha uma maneira original de fazer filmes, muito diferente do que eu acabei fazendo. Eu sou muito mais baseado no roteiro. Foi graças a Deus que não sabíamos o que estávamos fazendo naquela época. Se tivéssemos imaginado com o que teríamos que lidar… |
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