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“Comentário sobre os feitos de Sternberg e Tanaami”
O texto a seguir foi escrito pelo crítico e curador de cinema Paulo Santos Lima após assistir às primeiras exibições dos filmes de Josef von Sternberg e Keiichi Tanaami no IMS Paulista. Ele foi enviado inicialmente no contexto de uma conversa por e-mail, e depois, levemente revisado pelo autor e pelos organizadores da Mutual Films. Agradecimentos vão ao Santos Lima pela sua permissão de postar o texto. Aaron, Mariana e Ava, meus queridos. Eu que agradeço. A sessão foi ótima. Não conhecia a obra do Keiichi Tanaami. E (absurdamente) nunca tinha visto o Anatahan. Sobre os filmes do Tanaami, gostei essencialmente de todos. Há uma pujança e excesso de elementos e cores (típicas dos anos 1970s, mas eu diria que mesmo os trabalhos dele dos anos 2000 seguem por esse caminho). O resultado é algo beirando uma experiência agressiva, caótica, além de extática (sim, êxtase) e ao mesmo tempo violenta. De certo modo, e talvez eu sendo induzido pelas bombas, vários filmes dele pareciam portar algo de fissão nuclear e sucessiva destruição: desmaterialização, deformação, remodelação, tudo meio hemorrágico, e – algo típico do cinema japonês a partir dos anos 1960s, o cinema moderno de fato – o sexo como meio de subversão ao que antes era uma fatura estética formalmente equilibrada, sutil, “suave”; o sexo/pornografia desvelando-nos um mundo em perigo e abatido pela violência e incerteza, disjunção/contaminação cultural vinda no pós-1945, além de que os corpos sexuais, desnudos, são uma espécie de ilustração do que aconteceu com o corpo daquele Japão de outrora, milenar, e agora corrompido e devassado. Por isso eu amo o trabalho de Yukio Mishima, porque ele era “a contradição”: a revolução em pessoa ao recorrer a uma tradição e enfeixá-la com impulsos libertários [modernos]. Então, um filme do Tanaami que me chamou especial atenção é Artificial Paradise: as intervenções, trepidações, sobreposições etc. aproximam a imagem do postal à semelhança da bomba atômica explodindo no horizonte. Sobre Anatahan, há algo de muito germânico no filme: os arquétipos, um olhar interessado no funcionamento das coisas (dos seres, suas relações, o sistema...uma sociologia mesmo, ou seja, algo que o Fritz Lang sempre fez muito bem). Ao mesmo tempo, parece um filme (literalmente) artesanal, como se feito com croquis, entremeando na montagem elementos de estúdio com algumas locações – algo que existia já há décadas na história do cinema, mas ali me pareceu que o resultado é o de um filme “à antiga” se mostrar moderno, pois meio conceitual, feito com o mínimo necessário. E a personagem de Keiko é, de fato, uma força erótica (ora pin-up, mas sobretudo e na maior parte do tempo uma presença física, material). E, no geral, ela parece um item que rege todo o andamento das coisas...e do nosso olhar, porque ela, sim, difere de todo o resto ali. Seria quase um parque temático, mas essa impressão me vem, talvez, pelo que o filme consegue fazer com (uma impressão de) o mínimo. Creio que a antipatia dos espectadores japoneses tenha sido mais por uma instância narrativa contando com um narrador falando em inglês e com o controle total não do que acontece com a trama e seus personagens, mas sobre a nossa impressão e nosso juízo/moral sobre o filme — diria que sobretudo o nosso olhar, como vemos o filme. |
MUTUAL FILMS |