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"Djibril Diop Mambéty, in memoriam"
O texto a seguir foi originalmente publicado em agosto de 1998 em francês pelo crítico e curador Olivier Barlet, em homenagem a Djibril Diop Mambéty, logo após a morte do cineasta. Sua versão original pode ser conferida no site africultures.com . O texto foi traduzido para português por Giliane Ingratta Góes com o consentimento do autor. Mais traduções para português de textos de Barlet sobre o cinema africano, inclusive um texto sobre a série Histórias de pessoas comuns, podem ser conferidas no site da Revista Crítica de Cinemas Africanos Falta espaço para lembrar o homem, o amigo, o solitário, o mestre da ironia, o incomum, o ator... Aquele que em Cannes em 1973, quando pediram a ele que pensasse na distribuição de Touki Bouki, a viagem da hiena, entregou essa tarefa ao barman do Blue Bar... Aquele que, quando questionado sobre o que pensava das críticas de Hienas, respondia que nunca as tinha lido e contava uma anedota sobre um condenado levado ao cadafalso: "Justo antes que a guilhotina caísse, um telegrama chega. Ele diz então: 'Coloquem-no no cesto, eu o lerei quando estiver com a cabeça descansada'..." Falta lugar para evocar seus filmes e como ele morreu cedo demais, em plena montagem de A pequena vendedora de sol, com a cabeça cheia de projetos... Falta fôlego para expressar a novidade de sua escrita cinematográfica: como, longe de toda tagarelice, ele sabia inscrever na imagem e no som uma profunda sensibilidade, um olhar terno para "as pessoas comuns", uma crítica mordaz às ordens estabelecidas, uma busca angustiada de compreensão do mundo. Desde seus primeiros filmes, Contras' City, um percurso caótico nas ruas de Dacar, e Badou Boy, as aventuras de "um moleque um pouco imoral muito parecido comigo", ele rompe com uma simples representação da realidade para dar lugar a um enunciado cheio de paradoxos cuja montagem quebra ciclicamente a narrativa e realça uma imagem muito livre próxima do arroubo lírico. Essa escrita paródica encontra o seu apogeu em Touki Bouki, cuja montagem em espiral conduz constantemente à origem simbolizada por zebus com grandes chifres que ligam o cosmos à terra dos antepassados e que o personagem de Mory prende ao guidão de sua moto. Desde já, Mambéty ultrapassa a oposição clássica entre tradição e modernidade: é bem verdade que Anta e Mory, igualmente atraídos pela aventura ocidental, se separarão finalmente, ela pegando o navio, ele voltando as suas raízes; mas essa "viagem da hiena", animal-símbolo da marginalidade, expressa, em uma pletora de imagens surrealistas, que o inconformismo apresenta a todos a questão da origem, que ele é uma prática, uma passagem obrigatória para pensar a relação com a tradição. Apesar dos louvores, a liberdade que Touki Bouki afirma levanta obstáculos demais no caminho de Mambéty. Ele mergulha em um longo inverno que prejudicará sua saúde antes de ressurgir com as filmagens de Yaaba, de Idrissa Ouédraogo, com um curta-metragem, Vamos conversar, avó, olhar sensível sem comentário sobre uma filmagem africana. Em voz-off, como uma fórmula encantatória, ele reitera sua exigência de dignidade, para a África como para ele próprio provavelmente: "Com ou sem cinema, a avó vingará a criança mantida de joelho!" Novamente, ele afirma a necessidade da passagem pela palavra da avó, pela origem. Mambéty o brincalhão irá buscar essa passagem pela fabulação em 1992, num dramaturgo suíço-alemão, Friedrich Dürrenmatt, adaptando de maneira muito pessoal sua peça A visita da velha senhora. Quando o círculo dos habitantes de sua aldeia se junta em cantos fúnebres em torno de Dramaan Drameh, pois a rainha da morte, Linguère Ramatou, ofereceu a eles 100 bilhões em troca de sua vida, é toda a ganância das hienas que se tornaram homens que aparece à luz do dia. Para Mambéty, "o homem franco", frente ao poder do dinheiro, tem por último recurso somente a derrisão, o sonho e a serenidade. A miragem do bilhete de loteria premiado ilustrado em O franco só pode, numa ordem econômica que não respeita nem o homem nem o meio ambiente, ser uma vertigem para outra coisa e se perder no mar. Cinema de magia, seus filmes encenam a derrisão e a alegoria. Com uma incrível liberdade, eles manejam o paradoxo, misturam personagens burlescos e imagens hiperbólicas, encontram sua unidade numa montagem cíclica e repetitiva e numa música que une os planos em uma verdadeira sinfonia. Assombrado, o espectador se consente em se deixar levar e busca a coerência das imagens. O simbolismo o orienta para uma compreensão global, a narrativa em círculo para uma metafísica: perante o Tempo, a vida é apenas uma peripécia transitória, mas inscreve-se nele por uma criação permanente. |
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