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Jogos de poder: A Jamaica de Perry Henzell Em 1972, o cineasta jamaicano Perry Henzell lançou seu primeiro longa-metragem, Balada sangrenta, estrelando o músico de reggae Jimmy Cliff - que, na época, vivia em Londres e já era conhecido por hits como "Vietnam" - numa versão atualizada de um bandido jamaicano real, que apavorou e causou admiração nos anos 1940. Henzell imediatamente mergulhou na produção de seu segundo filme, Não há lugar como nosso lar, dessa vez retratando um grupo de nova-iorquinos que viajam para a Jamaica para rodar um comercial de xampu. Nos dois filmes, o diretor desenvolveu um método de realismo cinematográfico que buscou registrar seu país e seu povo de forma direta, em um contexto de narrativas ficcionais. Enquanto Balada sangrenta alcançou enorme sucesso cult, Não há lugar como nosso lar passou por grandes dificuldades de produção, e os negativos foram perdidos antes da conclusão do filme. Em meados dos anos 2000, esse material foi encontrado e restaurado, e o filme, finalizado e lançado no Festival Internacional de Cinema de Toronto, alguns meses antes da morte do cineasta. A Sessão Mutual Films de julho tem o prazer de apresentar a filmografia completa de Perry Henzell, com a estreia brasileira de uma versão remasterizada de Balada sangrenta - um filme que completa 50 anos em 2022 - e a versão final de Não há lugar como nosso lar, lançado comercialmente em 2019, quase meio século após suas filmagens iniciais. Balada sangrenta (The Harder They Come) Perry Henzell | Jamaica | 1972, 103', 16 mm para DCP Ivanhoe Martin (interpretado pelo músico Jimmy Cliff em sua estreia cinematográfica) é um jovem jamaicano que viaja do interior para a capital, Kingston, levando à sua mãe a notícia da morte da avó. Ele não tem interesse em voltar para o campo e está determinado a seguir carreira no meio musical, porém logo se depara com um sistema vampiresco de exploração de músicos em início de carreira, no qual uma única gravadora monopoliza o mercado e controla o que toca nas rádios. Sem apoio, nem dinheiro, Ivanhoe é captado pelo tráfico de drogas, e logo percebe que continua a ser explorado. Inconformado, reage a tudo e a todos e embarca em uma celebrada perseguição policial, que o projeta como símbolo da resistência popular à opressão da elite econômica e do Estado. Sua música se torna um enorme sucesso, e sua vida, uma batalha mortal. Balada sangrenta foi inspirado na história real do homônimo lendário criminoso jamaicano (popularmente chamado de Rhyging), que apavorou Kingston em 1948, quando a Jamaica ainda era uma colônia britânica. O cineasta Perry Henzell - que embarcou em seu primeiro longa-metragem após uma carreira na publicidade - vislumbrou a história de um personagem folclórico para tratar dos problemas sociais de seu país e registrar a vida local. Ele criou um roteiro com o então renomado dramaturgo jamaicano Trevor D. Rhone, mas também deixou muito espaço para a realidade se manifestar diante da câmera. A obra de baixo orçamento foi filmada em Super 16 mm e ampliada para 35 mm para sua distribuição comercial. Ela se tornou um clássico em diversos países, apoiada em boa parte por uma trilha sonora eletrizante, que contou com astros do reggae, como Toots and the Maytals, Desmond Dekker, The Slickers e o próprio Cliff. Em 2019, a distribuidora norte-americana Shout! Factory fez uma nova remasterização dos elementos originais do filme em 4K. Esta cópia vibrante de Balada sangrenta terá sua estreia brasileira no IMS, 50 anos após a estreia mundial do filme no Carib Cinema, em Kingston, em junho de 1972, quando foi celebrado por um público jamaicano como o primeiro longa-metragem nacional. Não há lugar como nosso lar (No Place Like Home) Perry Henzell | Jamaica/EUA | 2006, 89', 16 mm para DCP Uma equipe norte-americana de cinema publicitário roda um comercial de xampu nas praias paradisíacas da Jamaica. Quando P.J. (interpretada por P.J. Soles), a atriz do comercial, desaparece, Susan (Susan O'Meara), a produtora, embarca em uma jornada pelo país acompanhada por Carl (Carl Bradshaw), o motorista jamaicano da equipe. Susan entra em contato com um povo e uma realidade antagônica àquela vendida aos turistas. Ela se depara com a brutalidade da exploração do homem e da natureza, e percebe que seu país e modo de vida são os motores dessa exploração. Carl, como muitos jamaicanos, batalha para se libertar de uma condição de perpétuo abuso laboral, traçando naturalmente para si o percurso de um empreendedor local. No caminho, os dois encontram rastafáris que vivem uma vida simples, porém politicamente engajada, entre eles Countryman (interpretando ele mesmo), um pescador com o dom da palavra. O jogo de sedução entre Susan e Carl se desenvolve de maneira alegre e melancólica, sendo também uma metáfora para a estrutura socioeconômica ao redor. Perry Henzell idealizou Não há lugar como nosso lar como a segunda parte de uma trilogia, que começou com Balada sangrenta e discute as complexas relações de poder entre as realidades urbanas e rurais da Jamaica. Ele filmou a produção de baixo orçamento ao longo de oito anos, entre 1973 e 1981, em locações reais e com diálogos frequentemente improvisados pelo elenco (que também conta com Grace Jones em seu primeiro papel no cinema). Henzell levou enviou os negativos para um laboratório em Nova York, que faliu e sumiu com seu material. Foi apenas no início dos anos 2000 que as latas de negativo e cópias de trabalho foram encontradas em mau estado de preservação. Com a ajuda de uma equipe engajada, Henzell começou um processo de restauração e montagem do material e retomou as filmagens de algumas sequências, concluindo o filme depois de mais de 30 anos. A versão de Não há lugar como nosso lar que estreou em 2006 foi um corte bruto, que passou em festivais e sessões especiais. O filme só ganhou distribuição comercial em 2019, após seus produtores e a família de Henzell conseguirem autorização pelos direitos autorais da trilha sonora (que conta com canções de Bob Marley, John Denver, Etta James, Toots and the Maytals e Neil Diamond). O filme terá sua estreia brasileira no IMS. |
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