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"Pioneiros do cinema afro-americano"
(2 filmes, 73min) O programa conta com os seguintes filmes: Igreja do Guardião do Testamento, Beaufort, Carolina do Sul, maio 1940 (Commandment Keeper Church, Beaufort South Carolina, May 1940, dir. Zora Neale Hurston, E.U.A., 1940, 16min, 16 mm para DCP, material preservado pela Biblioteca do Congresso/Library of Congress e editado e remasterizado pela Kino Lorber) O sangue de Jesus (The Blood of Jesus, dir. Spencer Williams, E.U.A., 1941, 57min, 35 mm para DCP, filme remasterizado pela Kino Lorber a partir de uma cópia preservada pela Southern Methodist University) Em 1983 o pesquisador e professor norte-americano William G. Jones adquiriu para o Departamento de Filme e Vídeo da biblioteca da Southern Methodist University, em Dallas, uma série de filmes descobertos em um galpão em Tyler, Texas. Eram produções de realizadores negros feitas entre 1935 e 1956, durante o período da segregação norte-americana que levou inúmeros artistas e empreendedores negros a criarem uma indústria paralela de entretenimento voltada para a comunidade negra. A chamada "Tyler, Texas Black Film Collection" ("Coleção de Cinema Negro de Tyler, Texas") tornou-se emblemática por reintroduzir ao público a primeira série de obras do gênero denominado "filmes de raça", consideradas perdidas havia décadas. A coleção ajudou a lançar luz sobre uma indústria que emergiu da segregação nos Estados Unidos e declinou com integração racial nos anos 60. Em 1991, pela primeira vez, um "filme de raça" foi selecionado para preservação pela Biblioteca do Congresso - a mais antiga instituição federal nos Estados Unidos, e um dos maiores centros do mundo para conservação de filmes em película. Ele foi um dos filmes encontrados em Tyler, O sangue de Jesus, dirigido por Spencer Williams. Um quarto de século depois, em 2015, a distribuidora norte-americana Kino Lorber lançou a coleção "Pioneiros do cinema afro-americano" ("Pioneers of African-American Cinema"), que utilizou diversos materiais encontrados na Biblioteca do Congresso e na Southern Methodist University. Os professores universitários e curadores Charles Musser e Jacqueline Stewart escolheram 16 longas-metragens, 11 curtas e alguns fragmentos de filmes que a distribuidora digitalizou e, em alguns casos, restaurou parcialmente, conseguindo ampliar suas ambições iniciais com a ajuda de uma campanha de financiamento coletivo. O programa na Cinemateca Capitólio conta com dois dos filmes da coleção, ambos feitos no Sul dos Estados Unidos no mesmo momento histórico (o início da década de 1940) e mostrando comunidades religiosas afro-americanas, que frequentemente formavam grande parte da audiência norte-americana negra. O primeiro é Igreja do Guardião do Testamento, Beaufort, Carolina do Sul, maio 1940, um registro documental de 16 minutos que a equipe da Kino Lorber remasterizou e editou a partir de um conjunto de 42 minutos de material bruto captado pela renomada romancista e antropóloga Zora Neale Hurston (1891-1960), selecionado para preservação pela Biblioteca do Congresso em 2005. E o segundo é o longa-metragem de ficção de estreia de Spencer Williams (1893-1969), O sangue de Jesus. Hurston escreveu célebres livros com um olhar ao mesmo tempo íntimo e sociológico que relataram as vidas de mulheres negras, como Seus olhos viam Deus (1937), hoje considerado um dos romances mais importantes da literatura norte-americana. Mas, apesar disso, morreu praticamente esquecida, e foi apenas a partir do final do século XX que sua obra foi devidamente valorizada. A Biblioteca do Congresso guarda diversos materiais de Hurston, entre eles, peças inéditas de teatro e filmagens de campo. Hurston estudou antropologia com o Franz Boas na Universidade Columbia, em Nova York, e durante este período viajou para o Sul dos Estados Unidos para pesquisar e registrar (com uma câmera e gravador 16 mm) a vida das comunidades negras rurais da região. O material do Igreja do Guardião mostra rituais cristãos do povo Gullah em uma comunidade costal em uma das mais antigas cidades da Carolina do Sul. Dentro e fora da igreja, mulheres tocam violão, um pregador grita para louvar o Senhor e pessoas entram estados de êxtase espiritual. Embora o som das cerimonias tenha sido gravado a parte por um colaborador de Hurston (Norman Chalfin) sem sincronia com as imagens, o montador na Kino Lorber (Bret Wood) conseguiu combiná-los para passar uma impressão de um momento vibrante e suspenso no tempo. A Kino Lorber escaneou O sangue de Jesus em HD a partir da cópia em 35 mm encontrada na Southern Methodist University - pelo que se sabe, a única cópia em 35 mm do filme que atualmente existe no mundo. Spencer Williams foi conhecido em vida por seu trabalho como um ator cômico de cinema e televisão. Ele também dirigiu nove longas-metragens (sete dos quais sobrevivem) de baixíssimo orçamento, todos realizados na década de 1940 e com temáticas que transitam entre o sagrado e o profano. O sangue de Jesus conta a história de uma jovem batista, em uma cidadezinha no Texas, chamada Martha Ann Jackson (interpretada por Cathryn Caviness) que enfrenta a tentação do Diabo após ser acidentalmente baleada por seu marido (o próprio Williams). Enquanto a comunidade reza por ela em seu leito de morte, Martha vive em um estado de transe, em um outro mundo onde deverá fazer uma escolha vital. Na época de seu lançamento, O sangue de Jesus foi um dos filmes mais populares até então realizados para seu público. Ele triunfou tanto nas salas comerciais, quanto nas igrejas, que formavam um circuito alternativo de cinema. O filme conta com uma forte presença de hinos tradicionais e spirituals, cantados por seu elenco majoritariamente de atores não profissionais, entre esses, o Reverendo R.L. Robinson e seu Heavenly Choir (Coro Divino). A viagem entre o mundo terrestre e o além é transmitida com frescor não apenas pelas imagens, mas ainda mais, pelas vozes destas pessoas. |
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