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História da noite
Geschichte der Nacht Clemens Klopfenstein, 1979, 64 min. Suíça, 16 mm para DCP História da noite é uma jornada por uma Europa pós-apocalíptica, filmada integralmente a noite com película PB super sensível e uma câmera Bolex. Somos carregados por paisagens sombrias e melancólicas de cidades não identificadas, onde observamos edifícios em ruínas, uma estação de trem que acolhe alguns poucos desabrigados, monumentos que sugerem antepassados imponentes, porém inanimados. Salvo alguns raros encontros com seres humanos - jovens dançando uma música que não ouvimos, uma procissão religiosa e transeuntes ocasionais - o passeio noturno é deserto e amedrontador, pois nos sentimos constantemente testemunhas de um ato de violência que está para acontecer ou que se perdeu no decorrer do tempo. Mas essas expectativas se diluem ao longo da jornada, envolvidas pelo silêncio da noite. O primeiro longa-metragem do cineasta suíço Clemens Klopfenstein teve pouca repercussão em sua estreia inicial, mas hoje é considerado uma obra-prima do cinema de vanguarda europeu da geração pós-guerra. Esta nova restauração digital foi realizada pela Cinemateca Suíça, em parceria com Universidade de Basel e apoio do laboratório Cinegrell, a partir do material original em 16 mm. A restauração estreou no Festival de Locarno em 2016 como parte de uma homenagem ao cineasta que segue ativo, produzindo e fotografando filmes. IMS São Paulo 26/07 às 19h30 com reprise 28/07 às 18hs IMS Rio de Janeiro 28/07 às 16hs com reprise 31/07 às 19h30 Web site IMS - Sessão Mutual Films - Informações e ingressos |
"Clemente K., the Round Human"
O texto a seguir é uma tradução resumida da versão em inglês de um artigo escrito por Irene Genhart, originalmente publicado em alemão em 2006. Ele faz parte da breve biografia Cinéportrait: Clemens Klopfenstein, que compõe a série de biografias publicada pelo Swiss Films, sobre diretores suíços. Agradecemos à Daliah Kohn e ao Swiss Films pela permissão de usar esse artigo, que pode ser encontrado em inglês, francês e alemão no site: http://www.swissfilms.ch/de/information_publications/cineportraits/#K Se perguntássemos a Clemens Klopfenstein, na estreia de um de seus filmes, como ele se vê sendo um cineasta, sua resposta seria "não sou um diretor de cinema, sou um pintor". E se o questionássemos sobre sua auto-percepção como artista visual na abertura de uma exposição, a resposta seria "na verdade faço filmes, não sou um pintor". Clemens Klopfenstein é um fenômeno impressionante. Um homem exuberante e amplamente desperto, cujo entusiasmo pela ação é combinado ao charme, marotagem e enorme prazer na vida. Ele é um dos cineastas mais produtivos da Suíça e um dos mais ecléticos, também é um dotado pintor cuja proficiência pode ser observada não apenas em exposições, mas também em várias igrejas e pequenas capelas na Umbria, onde mora desde 1975. Klopfenstein nasceu em 19 de outubro de 1944 em Täuffelen no Lago de Bienna. E crescer no chamado Röstigraben (Vala de Rösti) - a fronteira interna entre a Suiça de língua alemã ea de língua francesa, que também é uma barreira cultural e mental - parece ter formado e modelado o artista. Ainda que cada uma de suas obras carrega aspectos completamente particulares da maestria de seu estilo, Klopfenstein não é tão fácil de compreender como artista. Ele não pode ser facilmente associado a uma geração ou a um grupo específico de artistas. De um lado, ele opera dentro da tradição da Suíça francesa, principalmente no "cinema copain", inserido no "Grupo dos Cinco", formado por Alain Tanner, Claude Goretta e Michel Soutter, trabalhando há anos com os mesmos atores e assistentes. De outro lado, existem muitas características e aspectos que colocam Klopfenstein no contexto da cena cinematográfica da Suíça de língua alemã. Por exemplo, seus protagonistas falam principalmente o dialeto Bernese e raramente alemão. Seus longas, realizados após ter se formado, são filmados sobretudo na cidade de Berna e em seus arredores, ou na Itália, sua segunda casa. Seus primeiros filmes, realizados entre 1960 e 70, com Urs Aebersold e Philip Schaad no AKS Film Workshop, são curtos e experimentais. Eles colocam Klopfenstein ao lado dos representantes de língua alemã do Novo Cinema Suíço, como Fredi M. Murer, Xavier Koller, Rolf Lyssy e Markus Imhoof. Atualmente, quando Klopfenstein fala sobre o AKS Film Workshop, caracteriza o grupo como parte de sua "primeira carreira de cineasta". Ele descreve os filmes do AKS como sendo um "submundo feliz - ousado, direto, espontâneo". Os filmes possuem títulos como Umleitung (Diversão), Wir sternben vor (Estamos morrendo de), Lachen Liebe, Nächte (Gargalhadas, amor, noites). São montagens compiladas de fragmentos de ficções experimentais, com um tom paródico-dramático. Naqueles dias, os membros do AKS se orgulhavam de serem chamados de"rebeldes do cinema da Suíça Ocidental". Eles se entregavam ao faroeste espaguete e admiravam os primeiros filmes de Godard. Levavam muito em consideração as técnicas de movimento rápido, filmando sem a gravação de som e posteriormente, enchendo os filmes de músicas de gênero. Klopfenstein era encarregado da câmera. Ele filmava principalmente travellings com a câmera na mão e adorava enquadramentos de ângulo baixo e whip pans [movimento panorâmico rápido de um objeto para outro]. Dizia-se que os membros do AKS "jogavam a câmera para o ar", e quando um crítico de cinema descreveu a câmera de Promenade em hiver como sendo "macia como a pele de uma flor", Klopfenstein passou a chamar sua velha Bolex H16 Reflex, a qual ele continua a amar até os dias de hoje, de "fleur de peau" [flor da pele]. Em 1967, Klopfenstein recebeu o diploma de instrutor de desenho e educador de arte da Escola de Artes e Ofícios de Basel. Em seguida se inscreveu no (hoje lendário) primeiro curso de cinema da Escola de Artes e Ofícios de Zurique (atualmente Universidade de Artes de Zurique). O professor e diretor do curso era Kurt Früh, e o projeto de graduação e primeiro filme de Klopfenstein foi Nach Rio (Para o Rio), de 1968 - um filme de 14 minutos onde um gangster interpretado por Fred Tanner dirige pela Suíça durante a noite. Segundo Klopfenstein, Nach Rio seria como "o final de um filme de Jean-Pierre Melville". O cineasta alsaciano de filmes policiais é seu grande modelo, e para quem Klopfenstein expressou respeito e estima em diversas ocasiões ao longo de sua carreira. Ele criou, a partir do nome de nascimento de Melville - Jean-Pierre Grumbach -, o pseudônimo G(erhard) Grumbach, listando nos créditos finais de vários de seus filmes G. Grumbach como membro da equipe - como em Die Geschichte der Nacht (História da noite), Das Schlesische Tor (O portal da sibila), Der Ruf der Sibylla (O chamado da sibila) e Macao. A produtora dirigida por Klopfenstein e Thomas Pfister, encarregada, até certo ponto, das edições em DVD de seus filmes, da produção de Film ohne Bilder (Filme sem imagens) e do CD de música Tod Trauer Trapani (Luto de morte Trapani), que Klopfenstein completou em 2001 junto com Bem Jeger, carrega o nome "Edition Grumbach". Em 1969, junto com o AKS e Georg Janett, Klopfenstein fez o documentário Variété Clara, um obituário cinematográfico do último teatro de variedades da Suíça, derrubado em 1968; depois, em 1973, o AKS filmou o primeiro e único longa de ficção do grupo, Die Fabrikanten (Os fabricantes). Um filme de ação no estilo de um suspense policial italiano passado em uma fabrica de relógios suíços - com a qual o cineasta de Bienna era muito familiarizado. Mesmo sendo um filme de ficção, Die Fabrikanten possui vários momentos documentais que fazem referência às negociações, nem sempre justas, de incorporadoras ou fechamentos de pequenos negócios por grandes corporações. No entanto, com Die Fabrikanten, o AKS gastou mais do que podia. O filme foi um desastre financeiro, um fracasso de bilheteria, fazendo com que o AKS fosse dissolvido. "Fiz um longa certa vez e caí de cara no chão", assim comentaria Klopfenstein sobre essa experiência desagradável por anos, antes de voltar a trabalhar com cinema. Ele mergulhou na novela de Jan Potocki O manuscrito encontrado em Saragoça e criou a série de pinturas Pandesovna, cuja perspectiva infinita com quartos, corredores e arcos entrelaçados remete à obra de M. C. Escher e Piranesi. Essa série rendeu a ele uma bolsa da Federação de Arte Suíça para Pintura, possibilitando que participasse do artista-em-residência no quarto da torre do Istituto Svizzero em Roma em 1973 e 1974. Na metrópole italiana, onde a arquitetura variaentre a modernidade e o início da antiguidade, onde praças e ruas mudam constantemente a perspectiva, de acordo com a posição do sol e do céu, Klopfenstein começou sua segunda carreira de cineasta. Somando aos intensos estudos de luz e sombra realizados durante o dia - pinturas de ruínas extremamente expressivas -, Klopfenstein começou a fotografar à noite. Ele perambulava com sua câmera, por horas, depois da meia noite, por uma Roma que "pela primeira vez revelou sua verdadeira beleza em seu vazio e em sua calma". Gradualmente, o artista estendeu esses estudos noturnos por toda a Europa. Em 1978, apresentou História da noite: uma série de cenas noturnas urbanas, filmadas ao longo de 150 noites, em 50 cidades européias, conectadas por uma sequência definida pela intuição do editor. Até hoje, Klopfenstein entra em êxtase quando fala sobre a sensação causada, na estréia do filme na mostra Forum do Festival de Berlim, pelo grão da película estourado na tela, cuja revelação foi puxada no laboratório, de ASA 400 para 3200. História da noite foi completado em um espírito de alerta, na conturbada cena artística dos anos de 1970, marcando o início de uma diversificada e produtiva carreira no cinema. Enquanto essa obra nasceu do impulso pictórico e fotográfico, resultando em um filme "parado", seu sucessor Transes - Reiter auf dem toten Pferd (Transes - Cavalgada no cavalo da morte) definiu a grande jornada em movimento que daria forma à toda obra cinemática de Klopfenstein. E no mesmo ano (1981), com o "filme do clima" E nacht Füürland (Uma noite na terra do fogo), definiu a cena local de Berna, filmando junto com Remo Legnazzi, os temas da perambulação universal, que se tornariam típicos do artista, como política, religião, eventos atuais, música e conversas sem fim sobre o que significa ser suíço, contextualizando essa questão em eventos cotidianos cômicos, tão maldosos quanto suaves. De onde exatamente veio essa obsessão com a noite, com a meia noite e a coisa obscura, os vadios noturnos emergindo como espectros antes de desaparecerem novamente? À noite, que é apenas uma luz-escura, a faixa de visão do olho humano dobra sua abertura: Ao invés dos 90 graus das cores do dia, são 170 graus à noite. Isso sempre me fascinou. E vagando por Roma em 1970 às três da manhã, e olhos como se estivessem em um sonho, seguindo por ruas completamente vazias, palácios e ruínas. Uma viagem surpreendente que já não é mais possível hoje em dia porque lá é a noite do dia (tudo era melhor no passado). Clemens Klopfenstein |
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