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Uma história simples
Une simple histoire
Marcel Hanoun | França | 1959, 64', 16 mm para DCP
 
"Eu não imaginei, nem inventei nada." Assim começa o texto de abertura de Uma história simples, o longa de estreia de Marcel Hanoun. O filme, narrado em flashback pela protagonista sem nome, acompanha uma mãe solteira (interpretada por Micheline Bezançon) que se muda de Lille para Paris em busca de uma vida melhor para ela e sua filha pequena, Sylvie (Elizabeth Huart). Assistimos às exaustivas perambulações da mulher à procura de moradia e trabalho e a seu angustiante e repetitivo gesto de contar dinheiro, cada vez mais escasso. As encenações e a narração se desenvolvem em paralelo, de forma clínica e não sensacionalizada.
 
Hanoun nasceu na Tunísia em 1929, filho de judeus, e se mudou para Paris logo após a Liberação da França, em 1945. Ele trabalhou como jornalista e fotógrafo e dirigiu documentários curtos para a televisão antes de realizar Uma história simples. Leu em um jornal a notícia que inspirou o filme e trouxe para ele suas próprias experiências de pobreza. Filmou nas ruas da cidade com baixíssimo orçamento, uma pequena equipe e um elenco majoritariamente não profissional. Buscava refletir sobre a condição humana, um objetivo acentuado pelas escolhas musicais de Cimarosa e Vivaldi e pelo estilo particular do filme, que mantém um diálogo constante entre o estado mental da protagonista e o ambiente a seu redor.
 
Uma história simples ganhou o prêmio Eurovision no Festival de Cannes em 1959 e foi celebrado após seu lançamento por diversos cineastas e críticos, entre eles Noël Burch, Jean-Luc Godard e Jonas Mekas. Em 2019, uma cópia do filme em 16 mm foi escaneada em 2K em uma colaboração entre a distribuidora Re:Voir e o INA (Instituto Nacional de Audiovisual, na França), como parte de uma iniciativa mais ampla de digitalizações e lançamentos da obra de Hanoun.
 

Textos de Marcel Hanoun
 
Os textos a seguir foram escritos por Marcel Hanoun em diferentes momentos. Mais informações sobre os filmes e artigos do cineasta podem ser encontradas em francês no site Le cinéma de Marcel Hanoun, e alguns dos filmes podem ser vistos sem legendas no canal HANOUNM e na página de Vimeo da distribuidora Re:Voir: . Agradecemos Bernard Benoliel, Nicole Brenez e Anita Leandro pela ajuda na pesquisa da obra de Hanoun.
 
Conheça Marcel Hanoun
 
(Texto introdutório do livro Connaître Marcel Hanoun, uma coletânea de textos curtos do cineasta publicada em francês em 1997: CONNAÎTRE MARCEL HANOUN)
 
Tenho 76 anos. Não me dão essa idade (e menos ainda me emprestam-na).
 
Eu fiz "76" filmes (isso é apenas uma imagem). Eu faço filmes desde que nasci: meu pai filmava, me filmava em 9,5 mm.
 
Sou um trabalhador do efêmero e do perene, desde os anos 50 passei da velocidade de 16 quadros por segundo (cinema amador) a 24 e depois 25 quadros por segundo (o vídeo), do 35 mm ao Super 8. Eu pratico a fuga, acumulando realizações uma após a outra, com meios ilimitados e derrisórios, para um por vir elástico e longínquo.
 
Durante muito tempo quis ser mestre de minha liberdade, me emancipar do corporativismo, do fardo econômico do cinema e de regras enganadoras sobre a viabilidade do filme.
 
Durante muito tempo acreditei que a obra e seu criador eram a garantia única de si mesmos, que o público era livre para fazer suas escolhas. Também acreditei que a crítica podia descobrir, criar, inovar e que o crítico era mais que uma simples ponte entre a obra e o espectador, era um alter ego, operário do cineasta. Acreditei que a informação, a comunicação e a transmissão não eram somente ocas palavras barulhentas e que o filme era um constante mergulho em nossa contemporaneidade.
 
Eu sempre filmei na urgência e na necessidade, numa clandestinidade forçada, obras pouco mostradas, muitas vezes recusadas antes mesmo de terem sido vistas por instâncias culturais e comerciais. Minhas imagens são imagens de contrabando, de um comércio marginal e ilícito. Elas são verdadeiras por serem trabalhadas em falso, frente a todas as imagens lícitas e pornográficas.
 
Creio que a obra não tem época, que o tempo não pode corromper a linguagem. Creio também que "a comercialização e a difusão de toda nova criação audiovisual é um direito; é sempre uma aposta, a aposta de que o filme leva à descoberta de um público novo, desconhecido, que, por sua vez reconhecem uma obra nova não repetitiva, inesperada.
 
1997
MH
 
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Carta a um jovem cineasta
 
(Texto originalmente publicado em francês na revista Ecran, em 1977, e republicado no livro Connaître Marcel Hanoun)
 
Você escolheu expressar-se pelo som e pela imagem, você escolheu um ato essencialmente revolucionário e político - a criação cinematográfica. Tome cuidado para não ser desviado disso pelos mais paradoxais e falaciosos motivos.
 
Preserve sua independência; ela também é a do espectador, ela é "recíproca".
 
Você é chamado a criar estruturas audiovisuais; elas carregam e garantem apenas sua própria realidade. Toda verdade para além disso só pode ser sustentada pela tomada de consciência do espectador e por sua própria no momento em que você expressa uma forma.
 
Você fornece as estruturas, o espectador fará delas seu significado, mesmo que seu filme seja - e porque o seu filme é - construído sobre o pré-texto, e somente com o pretexto de um dado narrativo e imaginário.
 
Não existem assuntos bons, existem apenas bons projetos. Seu filme é um objeto cinematográfico cujo espectador - e somente o espectador - será sujeito, o principal. Você não tomará o lugar dele, mas o olhará, o observará, o perscrutará pelo olhar do seu filme sobre ele, pela escuta de seu filme dirigida para ele. Você terá, sem complacência e com rigor, exercitado primeiro esse olhar e essa escuta, o efeito do filme sobre você mesmo, verdadeiro primeiro espectador de um objeto cinematográfico e do trabalho que este opera.
 
Você não precisa preencher um vazio latente mesmo que seja (e será) o objeto dessa demanda; mas o filme que você construirá fará parte de um desejo latente do espectador de não ser mimado (o que frequentemente se faz), mas de trabalhar e de ser trabalhado no filme e pelo filme.
 
E tendo escolhido o duro desejo de ser cineasta saiba que esse desejo é frágil e que todas as Sereias, todas as miragens das instituições cinematográficas se empenharão com força em te distrair e te desviar desse objetivo.
 
Neste combate que te espera, saiba ser o menos possível submisso.
 
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Por que sou o diretor-cinegrafista-montador de todos os meus filmes
 
Texto originalmente publicado na revista Changer le cinéma, que o próprio Hanoun fundou e editou, e republicado no folheto que acompanha o DVD do filme de Hanoun O autêntico processo de Carl-Emmanuel Jung [L'authentique procès de Carl-Emmanuel Jung, 1967], lançado pela Re:Voir: L’AUTHENTIQUE PROCÈS DE CARL-EMMANUEL JUNG)
 
Ser livre como um pintor; ser aquele que, antes de aplicar cores e determinar contornos, conceitualiza as formas, mistura os pigmentos e experimenta por dentro os ritmos audiovisuais secretos da obra futura: ser o primeiro espectador assim como, antes e simultaneamente, o criador primário.
 
Há tanto uma dissociação quanto uma fragmentação impossível entre o desejo de se expressar e a técnica, e o descobrimento recíproco de um pelo outro. Isso resume os meus motivos para atuar simultaneamente como cinegrafista (operador de câmera e técnico de luz, o criador de luz e sombra), diretor (coordenador de estruturas fragmentadas, principalmente estruturas relacionadas aos rostos/reflexões dos atores), montador (um músico que harmoniza a descontinuidade quebrada de som e imagem, e que reconstrói um imaginário poético como uma realidade aparente).
 
O trabalho faz com que seja possível explorar e descobrir apenas uma coisa: o primeiríssimo espectador; ter a onipresença do único e insubstituível primeiro testemunho.
 
Também ser assistente de palco e criado; carregar a câmera, a lâmpada pesada que providenciará a luz; ser ativo, no centro, consistentemente no coração. Ter a alacridade de visão durante o tempo alocado; ter tempo para refletir sobre o papel do ator enquanto o plano está sendo preparado e as sombras iluminadas, pois as sombras se iluminam sim. Aproveitar cada instante e o lugar de cada instante. Estar aberto ao acaso, à reflexão. Ser movimento, ver e se mover, deixar a emoção ser ouvida sem ser dita. Fazer primeiro para e por si mesmo. NUNCA NEGAR A SI MESMO.
 

 
MUTUAL FILMS