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Programa 1
Techqua Ikachi – Terra, minha vida Techqua Ikachi, Land – mein Leben James Danaqyumptewa/Agnes Barmettler/Anka Schmid | Alemanha Ocidental/Suíça | 1989, 103’, 16 mm para DCP restaurado (Arsenal – Institut für Film und Videokunst e.V.) Uma placa de madeira na entrada da aldeia de Hotevilla alerta: “É proibido a todos os visitantes não indígenas gravar som, fotografar, desenhar, remover objetos ou perambular perto dos kivas [espaços cerimoniais] e santuários”. Assim abre o documentário de longa-metragem Techqua Ikachi – Terra, minha vida, uma produção suíço-alemã realizada com habitantes da aldeia localizada no Arizona, Estados Unidos, pertencente ao povo indígena Hopi. Em uma vasta e árida paisagem, um homem planta sementes de milho enquanto uma voz explica que o filme foi feito “para documentar nossa cultura para as futuras crianças Hopi e para nossos amigos. Talvez alguns irão entender por que os anciãos tentaram manter a verdadeira cultura Hopi viva e a nação Hopi livre do controle estrangeiro.” Em uma sala escura, um projetor 8 mm mostra a imagem do líder comunitário Dan Kachongwa diante de uma grande pedra, com inscrições que remetem à história de origem de seu povo. Os Hopi são considerados um dos povos mais longevos dos Estados Unidos. No final da década de 1960, um ativista Hopi chamado James Danaqyumptewa começou a filmar rituais em Hotevilla, em super-8, a pedido de Kachongwa, que testemunhava o desaparecimento das tradições de seu povo, com a invasão da cultura do Bahanna [homem branco]. Kachongwa faleceu em 1972, e, no final da década de 1980, Danaqyumptewa conseguiu montar uma equipe de filmagem com a ajuda da pintora suíça Agnes Barmettler (que havia vivido na comunidade) e a estudante suíça de cinema Anka Schmid. Danaqyumpetwa e anciãos de Hotevilla determinaram o conteúdo do filme, enquanto Schmid e Barmettler se responsabilizaram pelas filmagens em 16 mm e a organização e apresentação do material na tela. Elas viveram durante um ano em Flagstaff, a cidade mais próxima de Hotevilla, para vivenciar um ciclo completo de colheita em Hotevilla e fazer as filmagens ao longo desse período. O filme expressa, muitas vezes através de depoimentos dos anciãos, o principal legado dos Hopi, transmitido por Maasaw – uma deidade que permitiu a entrada do povo no Quarto Mundo, ou o mundo em que vivemos –, de manter uma vida simples. E, junto às suas palavras, Techqua Ikachi apresenta imagens de arquivo, pinturas ilustrativas de Barmettler e novos registros de paisagens e trabalho diário. Assim, o filme traça uma linha contínua de vida e resistência. Techqua Ikachi – Terra, minha vida estreou em Berlim em 1989 e passou no Festival de Sundance em 1992, data que coincidiu com as comemorações de 500 anos da chegada dos europeus no continente norte-americano. Por anos, circulou em cópias 16 mm, sendo acessível ao público Hopi em versões em VHS e DVD e no YouTube. Em 2024, a entidade alemã Arsenal restaurou digitalmente duas versões do filme a partir de materiais em seu acervo e nos acervos da Cinemateca da Suíça (Cinémathèque Suisse) e da Cinemateca Alemã (Deutsche Kinemathek), tendo o apoio do governo alemão e a colaboração de Anka Schmid no projeto. A versão de 103 minutos (que vai ser exibida no IMS Paulista) foi criada originalmente para circulação internacional; a outra, de 111 minutos, incluiu algumas histórias locais adicionais sob pedido dos anciãos que participaram na produção. A exibição de Techqua Ikachi no dia 10 contará com um debate com a escritora, cineasta, atriz e colaboradora de longa data do projeto Vídeo nas Aldeias, Rita Carelli. ![]() Programa 2 A almadraba atuneira António Campos | Portugal | 1961, 27’, 16 mm para DCP restaurado (Cinemateca Portuguesa) + Vilarinho das Furnas António Campos | Portugal | 1971, 77’, 16 mm para DCP restaurado (Cinemateca Portuguesa) Em 1969, o vilarejo português Vilarinho das Furnas (também conhecido como Vilarinho da Furna), no distrito de Braga, no noroeste do país, foi desocupado à força, pois seria inundado pela represa de uma barragem hidroelétrica construída pela empresa Hica (Hidroelétrica do Cavado). A população, com cerca de 300 habitantes, cujos antepassados ali residiam desde ao menos 1540, vivia um sistema comunitário com uma série de regras sociais e tradições mantidas de forma rigorosa. Seu sustento era baseado principalmente na plantação de milho e centeio e na criação de gado e caprinos. Eles lutaram por anos contra a construção da barragem, até a submersão final da aldeia, em 1971. O primeiro longa-metragem de António Campos (hoje considerado um dos precursores fundamentais do Novo Cinema Português, que contou com figuras como Manoel de Oliveira e João César Monteiro) foi realizado após uma série de instigantes curtas-metragens de documentário e ficção. Campos chamou seu trabalho de “etnocinema”, e considerava que a essência rural de Portugal saía na tela com força e sem sentimentalidade. Fez Vilarinho das Furnas essencialmente sozinho, com inspiração no livro Vilarinho da Furna, aldeia comunitária (1948), do antropólogo português Jorge Dias, e a partir da sugestão do também cineasta Paulo Rocha, que o instigou a se deslocar para lá. Campos filmou em Vilarinho ao longo de 18 meses com uma câmera 16 mm e película em preto e branco, mantendo seu olhar sempre no mesmo nível das pessoas que estão sendo captadas. Pequenas corredeiras de água fazendo o caminho das pedras introduzem o narrador do filme, um homem de meia-idade chamado Aníbal Gonçalves Pereira, que se apresenta como natural de Vilarinho, “para contar os usos e costumes desta terra”. Ele explica a origem do povoado junto aos procedimentos das reuniões (“uniões”) comunitárias semanais e a importância da existência delas para organizar a comunidade e manter o controle sobre o pastoril. Surge uma dialética ao longo do filme entre cineasta e sujeito, palavra e imagem, passado e presente. Enquanto ouvimos os relatos de Aníbal, observamos os habitantes de Vilarinho envolvidos em seus afazeres, seu modo simples e centenário de vida, as festas e rezas e, enfim, o desmonte sob um manto de água que transformou o vilarejo em ruína. O programa de Campos no IMS Paulista também conta com o curta-metragem A almadraba atuneira, hoje considerado um dos mais importantes filmes portugueses da década de 1960. Nele, o cineasta filma o que seria a última campanha de pesca do atum na ilha de Abóbora (atualmente ilha de Cabanas), antes da destruição da aldeia pelo mar no inverno seguinte. Seis meses de filmagens são condensados em uma série de imagens líricas e intensas dos esforços dos homens e suas famílias, que ganham no olhar de Campos o esplendor de figuras heroicas. Em 1974, Campos criou uma versão sonora do filme, com colagem de sons ambientes criada por Alexandre Gonçalves (que também colaborou em Vilarinho das Furnas e outros filmes do cineasta) e uma gravação de A sagração da primavera (Le Sacre du printemps, 1913), de Igor Stravinsky. A obra cinematográfica de António Campos teve uma pequena circulação fora de Portugal durante a vida do cineasta, porém, em 2022 (o ano de seu centenário), a Cinemateca Portuguesa concluiu os restauros e as digitalizações em 4K da maioria dos seus filmes, a partir de materiais doados pelo cineasta antes de sua morte, em 1999. As exibições no IMS das novas cópias digitais de A almadraba atuneira e Vilarinho das Furnas contam com o apoio do Consulado Geral de Portugal em São Paulo. Agradecimentos da sessão: Agnes Barmettler, Alexander Boldt/Gesa Knolle/Markus Ruff (Arsenal), Anka Schmid, Francisco Ferreira, Francisco Valente/Museum of Modern Art (MoMA), Jonas Chadarevian, Manuela Penafria, Marcelo Felix, Marcelo R. S. Ribeiro, Raquel Morais/Tiago Baptista (Cinemateca Portuguesa), Rita Azevedo Gomes, Rita Carelli, Sérgio Alpendre Minibio da convidada: Rita Carelli é uma multiartista que atua no campo da literatura, cinema e teatro. É diretora e roteirista dos curtas-metragens Hospedeira (2014), A era de Lareokotô (2018) e Yaõkwa, imagem e memória (2020), este último feito em parceria com Vincent Carelli e ganhador do prêmio de melhor curta-metragem brasileiro no É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários (2021) e do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (2022). Seu trabalho foi exibido em vários festivais de cinema no exterior, como DocLisboa, Sheffield DocFest e Les Nuits en Or, da Academia Francesa de Cinema (Les César). Também com a ONG Vídeo nas Aldeias, publicou a coleção Um dia na aldeia (Sesi). Seus livros Akykysia, o dono da caça (Sesi) e Minha família Enauenê (FTD) foram contemplados com os selos White Ravens, da biblioteca de Munique, e o de Altamente Recomendável da FNLIJ. É responsável pela pesquisa e organização dos livros A vida não é útil (2020) e Futuro ancestral (2022), ambos escritos por Ailton Krenak e publicados pela Companhia das Letras. Seu romance Terrapreta (Editora 34) foi ganhador do prêmio São Paulo de Literatura como Melhor Romance de Estreia de 2022. Também participou como atriz em filmes como Permanência (Leonardo Lacca, 2015), Abaixo a gravidade (Edgard Navarro, 2017) e A morte habita à noite (Eduardo Morotó, 2020). |
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