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A busca do lucro e o sussurro do vento
(Profit motive and the whispering wind)
John Gianvito
EUA, 2007, 58 min, digital

 
No filme A busca do lucro e o sussurro do vento, a história complexa e pouco conhecida dos Estados Unidos é contada a partir de imagens em 16 mm de memoriais, túmulos e sítios históricos que descrevem a luta individual e coletiva por igualdade racial, religiosa, econômica e de gênero, entre os séculos XVI e XXI. O terceiro longa-metragem do diretor norte-americano John Gianvito se baseia livremente na obra do historiador Howard Zinn, A People's History of the United States [Uma história do povo dos Estados Unidos, de 1980], uma crônica de vozes que inclui a abolicionista Sojourner Truth, fundadora da "estrada da liberdade", que viabilizou a fuga de inúmeros escravos; Gabriel Prosser, organizador de uma das maiores rebeliões de escravos na Virgínia; as sufragistas Frances Harper, Susan B. Anthony e Elizabeth Cady Stanton; os ativistas César Chávez, líder sindical e fundador, junto com Dolores Huerta, da National Farmers Workers Association [Associação Nacional de Trabalhadores do Campo] e Frank H. Little, um dos líderes da organização sindicalista Industrial Workersofthe World [Trabalhadores Industriais do Mundo]; entre vários outros. De forma poética, a informação dos monumentos e túmulos é intercalada por imagens do vento agitando galhos de árvores e animações desenhadas a lápis.
 
Muitos dos jazigos resistem ao tempo em condições precárias e são de difícil acesso, tornando A busca do lucro... um registro histórico indispensável. A projeção do filme ocorrerá a partir de uma cópia digital, único formato de exibição de uma obra que espera por financiamento para uma nova digitalização do material original.
 

 
O texto a seguir foi escrito por John Gianvito como parte do presskit do filme A busca do lucro sussurro do vento. Ele foi traduzido com o consentimento do autor.
 
No início do verão de 2004 até o outono de 2006, dirigi ao redor dos Estados Unidos em busca dos traços do passado progressista do país. No final, a jornada virou não apenas uma maneira de desenvolver o meu conhecimento dessa história, mas também, uma maneira de tornar esse passado tangível e, talvez ironicamente (pois uma boa parte do tempo se passou em cemitérios), vivo. Ao buscar “escrever” um poema com estes locais de memória, ao registrá-los em forma fílmica, eu me lembrei da famosa frase de William Faulker “O passado nunca está morto, não é nem mesmo passado”. Para mim, às vezes não parecia uma documentação, mas um tipo de sensitometria. Em todo lugar que você olha há evidências acumuladas das consequências fracassadas e bem-sucedidas dessa trajetória de luta. Estamos, de fato, cercados pelos mortos. E eles têm coisas para nos contar.
 
Em seu ensaio recente “If History is to be Creative” [“Se a história é para ser criativa”], o renomado historiador e ativista Howard Zinn observa que “O futuro dos Estados Unidos está interligado com o nosso entendimento do passado. Por este motivo”, Zinn escreve, “a escrita da história, para mim, nunca é um ato neutro”. Como a mística mola principal do projeto, os escritos de Howard Zinn, mais particularmente seu livro chave A People’s History of the United States [A história dos Estados Unidos contada pelo seu povo, 1980], servem para nos lembrar das muitas vozes omitidas e silenciadas nos livros didáticos tradicionais. Ao ressuscitar narrativas de lutas e contribuições significativas de mulhares, afro-americanos, indígenas, pobres, imigrantes e trabalhadores de fábricas dos Estados Unidos, a ênfase de Zinn não reside apenas em recontar os detalhes do passado, mas consistentemente o autor enfoca o nosso entendimento sobre o que este passado significa para o nosso presente, e sobre como este conhecimento, em grande parte, deixado fora de vista por um longo período, pode ser usado para nos guiar. Sem querer fazer uma versão reducionista dos escritos de Howard Zinn, senti que meus impulsos eram contíguos às próprias intenções acadêmicas do autor – criar um poema com algumas das sobras do passado dos Estados Unidos, com a esperança de que a montagem deste mosaico histórico pudesse oferecer algo sobre o presente, e talvez funcionar como um compasso moral.
 
Na prática, o filme foi fruto de milhares de milhas dirigidas durante três verões com, em algumas instâncias, retornos que fiz na esperança de melhor fotografar uma locação específica. Passei ainda muitas horas fazendo o trabalho de detetive para encontrar os túmulos e marcos desejados. Embora o site Findagrave.com e o programa Mapquest tenham ajudado, eles às vezes me guiaram apenas para o cemitério e não para a localização, resultando em muitas horas de caminhada e leitura de inscrições.
 
Em outros casos, esforços mais investigatórios foram precisos. E-mails, telefonemas e duas viagens distintas para um cemitério na Filadélfia resultaram na descoberta de registros escritos a mão e, com a ajuda de alguns jardineiros gentis, na localização do sítio não marcado do túmulo de Uriah Stephens. Buscas semelhantes em registros amarelados resultaram na identificação do local de enterro de Sarah e Angelina Grimké – pioneiras ativistas e abolicionistas pelos direitos das mulheres – em um cantinho pouco visitado de um cemitério em Parque Hyde, Massachusetts. Embora eu tenha encontrado o local, parecia não haver marcadores até que descobri o nome e as datas de vida e morte de Sarah Grimke corroídos e gravados à mão no lado de trás do túmulo de seu cunhado, Theodore Weld (curiosamente, o nome de Angela, sua esposa, não pôde ser encontrado em lugar algum).
 
A lista de pessoas que tentei achar sem sucesso quase se iguala à lista de pessoas que consegui achar – indivíduos que foram cremados e suas cinzas espalhadas, ou cujas famílias mantiveram anônimos seus locais de descanso, ou cujos paradeiros são simplesmente desconhecidos hoje em dia. Há, também, aqueles que contribuíram muito para o enriquecimento desta nação e cujos restos mortais estão enterrados em outros lugares (W.E.B. Du Bois em Gana, Marcus Garvey na Jamaica, Benjamin Tucker em Mônaco, Bill Haywood em Moscou, etc.), e, claro, aqueles cujos nomes e atos, igualmente merecidos de nossa gratidão e recordações, nunca foram anotados e repassados, ou, caso tenham sido registrados, desapareceram da memória desde então.
 
Finalmente, A busca do lucro e o sussurro do vento foi, desde o início, criado não como uma obra de lembrança e luto, mas como uma incitação ao pensamento e à ação. O filme é, de muitas formas, pequeno e humilde, uma parte da minha contribuição para a luta.
 
Introdução de John Gianvito (arquivo pdf.)
 
Textos curtos em inglês de John Gianvito sobre as lápites filmadas (arquivo pdf.)
MUTUAL FILMS