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Caso nos esqueçamos...
A Palavra e A busca do lucro e o sussurro do vento |
"CASO NOS ESQUEÇAMOS
Na madrugada de 21 de novembro de 1927, seis mineradores sindicalistas foram mortos na mina de Columbine ao lutarem por um salário mínimo e pelo mínimo de dignidade humana." (Inscrição no túmulo de cinco dos seis mineradores, em Columbine, Colorado) "Na primeira página de A Palavra, Kaj Munk parafraseou algo que ouviu de uma viúva em uma fazenda de Vedersø. Se tivermos a fé dela, ele pensou, podemos acreditar nisso sobre seu marido ou qualquer um. Ela disse: 'Sim, suas melhores roupas estão arrumadas porque nunca se sabe quando, numa manhã de Páscoa, ele retornará.'" (Carl Theodor Dreyer em conversa com Jan Wahl, citado em Carl Theodor Dreyer and Ordet: My Summer with the Danish Filmmaker, de Wahl) |
No breu, ouve-se um canto Kiowa evocando um gesto receptivo à chegada dos europeus. Em seguida, observa-se um pé de romã agitado pelo vento, o mar por trás da mata e alguns túmulos não identificados que conectam a sequência ao memorial de Anne Marbury Hutchinson, colona britânica nascida em 1591, expoente na luta pela tolerância religiosa e incentivadora do tratamento igualitário entre colonos e nativos. A inscrição no memorial faz referência ao assassinato de Hutchinson por indígenas na região da atual Nova York, em 1643. Ela foi confundida com colonos holandeses, que haviam estabelecido uma relação violenta com os nativos americanos.
Assim começa A busca do lucro e o sussurro do vento (Profit motive and the whispering wind, 2007), de John Gianvito. Em 2005, após a reeleição do presidente George W. Bush, o cineasta e professor universitário norte-americano fez uma série de viagens ao redor dos Estados Unidos para registrar monumentos, sítios históricos e túmulos de mulheres e homens que lutaram por igualdade econômica, racial, religiosa e de gênero. Sua busca tinha como principal objetivo divulgar histórias pouco conhecidas que foram cruciais na formação da identidade cultural do país. Ele continuou a trabalhar no filme durante três anos, viajando na maioria do tempo de carro, acompanhado apenas por uma câmera Bolex, microfone e vários guias impressos e eletrônicos. Gianvito usou como referência o livro A People's History of the United States [Uma história do povo dos Estados Unidos], do historiador norte-americano Howard Zinn, publicado pela primeira vez em 1980 e atualizado em intervalos regulares até 2009. O livro traça o caminho de pessoas que lutaram por liberdades e direitos sociais e econômicos, da fundação do país até o período recente, e, embora Gianvito também tenha adotado uma sequência essencialmente cronológica, como na obra de Zinn, sua adaptação é mais poética e intuitiva do que ilustrativa. Em pouco menos de uma hora, cenas de mais de 100 memoriais são mostradas junto com alguns breves desenhos animados e trechos de músicas de artistas ativistas, como Paul Robeson e Ani DiFranco. Os locais registrados são símbolos da perseverança, tanto daqueles que foram os atores das histórias quanto dos que lutam por sua preservação, o que também remete à citação que introduz o filme: "A longa memória é a ideia mais radical da América". As cenas são bucólicas e silenciosas - ouve-se apenas o som ambiente de cada local -, ainda que estejam relatando massacres, condenações injustas e assassinatos. Imagens de florestas intercalam os monumentos e se apresentam como testemunhas das histórias que estão sendo contadas, convidando o espectador a imaginar o ocorrido. Em um monumento localizado em Chicago, dedicado aos mortos pela Justiça americana no caso da Revolta de Haymarket, de 1887, lê-se: "Chegará o dia em que nosso silêncio será mais poderoso do que as vozes que vocês estão sufocando hoje". Esta afirmação também pode representar a resistência, em outra parte do mundo,do teatrólogo e pastor luterano Kaj Munk, cuja peça A Palavra, de 1925, foi adaptada para o cinema por Carl Theodor Dreyer em 1955. No início da década de 1940, Munk manifestou-se publicamente contra o nazismo e a ocupação alemã em seu país, em artigos e peças teatrais, especialmente em defesa dos judeus perseguidos. Por seu posicionamento, foi brutalmente assassinado e despejado em uma vala pela polícia alemã em janeiro de 1944, tornando-se um mártir e uma inspiração para a resistência dinamarquesa. Certa vez, Dreyer comentou que "A Palavra deve ser feita apenas de uma maneira: pela fé. Kaj Munk despertou não apenas Vedersø [onde atuava como pastor], mas toda a Dinamarca. Portanto, quero que este filme carregue seu espírito mundo afora." O renomado cineasta dinamarquês foi prolífico na era do cinema mudo, sendo seu último filme do período, A paixão de Joana d'Arc (La passion de Joanne d'Arc, 1928), também seu mais conhecido. Com o cinema falado, ele se tornou mais exigente em seus projetos, fazendo com que A Palavra (Ordet) fosse lançado 12 anos após seu longa-metragem autoral anterior, Dias de ira (1943). Penúltimo longa de Dreyer, A Palavra retrata o conflito existencial e material de um patriarca devoto, Morten Borgen (Henrik Malberg, a escolha original de Munk para o papel), cujo filho primogênito, Mikkel (Emil Hass Christensen), é agnóstico, o segundo, Johannes (Preben Lerdorff Rye), enlouquece ao se aprofundar em estudos religiosos, e o caçula, Anders (Cay Kristiansen), pretende se casar com a filha de seu rival espiritual. A fé de Morten é ainda mais desafiada quando Inger (Birgitte Federspiel), a esposa de Mikkel e conciliadora da família, sofre complicações no parto de seu terceiro filho e morre junto com o recém-nascido. Ao retratar as dificuldades enfrentadas por essa família (cuja história é ambientada no mesmo ano em que a peça de Munk foi publicada), o filme evidencia a hipocrisia do comportamento institucionalizado da igreja, a arrogância da ciência e a luta do homem comum em busca de sua fé pessoal enquanto é assediado por entidades externas. Em sua adaptação, Dreyer condensou o texto de Munk, subtraindo elementos específicos à vida dinamarquesa, como a definição religiosa dos dois patriarcas antagônicos, caracterizados no filme apenas como o alfaiate crente no sofrimento humano e o fazendeiro crente na felicidade cristã. Essa síntese é aplicada a todos os personagens e também ao cenário, onde cada objeto carrega um valor simbólico. O movimento fluido da câmera, que circunda os ambientes em longos pans horizontais, prepara o espectador para cada nova interação e, somando-se à estética minimalista, cria uma unidade entre o plano material e o espiritual. A aspiração de Dreyer ao fazer uma versão cinematográfica da peça de Munk, uma década após a morte do autor, foi trabalhar cada elemento narrativo de forma sucinta para transmitir ao espectador a essência da história: o poder da fé de restaurar a vida. A Palavra irá passar no IMS em uma nova versão, digitalmente restaurada em 4K pelo Instituto Dinamarquês de Cinema. A busca do lucro e o sussurro do vento será mostrado em uma cópia digital, seu único formato de projeção. John Gianvito nunca conseguiu fazer uma cópia do filme em 16 mm, e vem tentando angariar fundos para fazer um novo escaneamento dos materiais originais. A Sessão Mutual Films de julho é dedicada à memória de Freddy Buache, cofundador e ex-diretor da Cinemateca da Suíça, morto em 28 de maio de 2019. SINOPSE - A PALAVRA SINOPSE - A BUSCA DO LUCRO E O SUSSURRO DO VENTO Web site IMS - Sessão Mutual Films - Informações e ingressos |
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