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Judit Elek – Uma ilha em terra firme
Cinemateca Capitólio, dias 7 a 23 de novembro
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O filme se chama “Uma ilha em terra firme” em húngaro. Essa expressão não pode ser traduzida para outra língua, pois é um absurdo. Ou é terra, e então é um território, ou é uma ilha ao redor da qual há um rio, um lago ou o mar, que é água. Mas essa expressão se encaixa perfeitamente com a pessoa que vive sozinha. Ela vive em uma ilha fechada, em outro mundo.
- Judit Elek, sobre o filme A dama de Constantinopla Além de pioneira do cinema húngaro feito por mulheres, Judit Elek (1937-2025) foi uma genuína cineasta experimental. Ela experimentou com imagens, sons e narrativas, tanto no campo do documentário como da ficção, desde seu primeiro filme, Encontro (1963) – que inclusive foi o primeiro filme húngaro a usar som direto –, até sua última obra de cinema expandido, o híbrido de cinema e teatro Depois de tudo os mortos cantam novamente... (2018). E, por essa mesma razão, sofreu ao longo de sua vida profissional o descrédito da mídia e de muitos críticos da época. Com as restaurações de 10 de seus filmes, realizadas pelo Acervo Nacional de Cinema da Hungria e concluídas em 2023, sua obra toma um novo fôlego e Elek passa a ser uma das cineastas mais respeitadas da Hungria. Ela acompanhou este processo de revitalização e circulação de sua obra até seu falecimento em 1 de outubro de 2025 – três semanas antes da comemoração (em dia 23 de outubro) da Revolução Húngara de 1956, um dos eventos que marcou sua vida profundamente. A mostra Judit Elek: Uma ilha em terra firme – a primeira retrospectiva da cineasta a ser realizada no Brasil – traz para a Cinemateca Capitólio cinco longas-metragens, um média-metragem e dois curtas de Elek, todos realizados entre 1963 e 1994, que destacam o aspecto experimental de sua obra. A mostra se concentra especialmente na primeira parte da carreira da cineasta, quando realizou filmes de não-ficção, porém sem excluir obras posteriores como a drama de época realizado para televisão O processo de Martinovics e dos jacobinos húngaros (1980) e a ficção autobiográfica Despertar (1994). Ela também conta com apresentações dos curadores Mariana Shellard e Aaron Cutler e um debate com a pesquisadora gaúcha Carla Oliveira após a exibição do dia 8. De origem judia, Elek viveu no gueto de Budapeste durante a Segunda Guerra Mundial e passou anos separada de seus pais, morando com uma família adotiva cristã. Nos anos pós-guerra, na Hungria socialista, ela presenciou a prisão de seu pai, um membro do partido comunista que foi torturado e expulso em 1949. Logo após o início de sua vida universitária na Academia de Teatro e Cinema em Budapeste, ela testemunhou a Revolução Húngara de 1956 com uma certa perplexidade que descreve em uma entrevista publicada em 2006. Suas experiências de infância – tanto da guerra quanto da prisão de seu pai – criaram, naquele momento, quando era estudante de cinema, um sentimento ambíguo em relação aos movimentos políticos de seu país que acabou delineando diversas obras de sua filmografia. A revolução postergou a conclusão de seus estudos, mas não a desanimou. Neste período ela fundou com alguns colegas o influente Estúdio Balázs Béla, voltado ao financiamento de filmes experimentais realizados por jovens inexperientes. Através dele, realizou três obras que pelo trabalho com não-atores, a câmera na mão e o som direto, pavimentaram o caminho de seu primeiro longa-metragem, A dama de Constantinopla (1969), que participou na Semana da Crítica do Festival de Cannes em 1969 e já na época recebeu muitos elogios fora de seu país. Porém, apesar do sucesso de A dama de Constantinopla, o que seria o segundo longa-metragem de ficção de Elek, o drama histórico sobre o revolucionário anti-imperialista Ignác Martinovics (1755-1795), foi interrompido durante as filmagens, pois os censores do Estado consideraram o filme uma alegoria desconfortavelmente próxima à Revolução de 1956, uma tentativa fracassada de derrubar o regime soviético na Hungria que, na história de Elek, é representado pelo imperador austro-húngaro Leopoldo II. Elek foi proibida de realizar filmes de ficção por dez anos, período durante o qual se dedicou a uma de suas obras mais polêmicas, o díptico de documentários sobre a vida de jovens na zona rural da Hungria No Campo de Deus em 1972-73 e Uma história comum (ambos realizados entre 1972 e 75). Após a intensa experiência dos documentários, Elek voltou para a ficção com o longa-metragem Talvez amanhã (1979), a antítese de uma clássica história sobre dois amantes, filmado integralmente com uma câmera na mão que expressa fisicamente as angústias e frustrações do casal. Em 1981, a cineasta conseguiu retomar seu projeto sobre Martinovics, desta vez, realizado para televisão, O processo de Martinovics e dos jacobinos húngaros, apresenta de forma seca, as imagens em PB, um homem que se esfacela diante da câmera ao longo de seu processo de julgamento, enquanto tenta se livrar a qualquer custo da forca. Ele é seguido por outro drama histórico, O dia de Maria (1984), que, em contraste, traz uma paisagem bucólica com as cores suaves da relva no verão na casa de campo da abastada família do poeta Sándor Petofi (1823-1849), porém, não menos constrangedores e angustiantes são os conflitos internos em que os diferentes membros da família se envolvem. A partir de 1989, com a ficção épica Memórias de um rio (1989), Elek se lança em uma longa jornada de filmes que abordam a questão judaica. Da história real ocorrida no século XIX, do título mencionado acima, sobre uma falsa acusação de assassinato orquestrada por uma comunidade cristã para incriminar a comunidade judia vizinha, às histórias autobiográficas como Despertar, sobre a infância de Elek, e Recordar (2019), sobre a morte de sua meia irmã em um campo de concentração, aos documentários que tratam dos sobreviventes do Holocausto Dizer o indizível – A mensagem de Elie Wiesel (1996) e Um homem livre – A vida de Erno Fisch (1998) e a obra híbrida de cinema e performance que resultou de um amplo estudo que a cineasta realizou sobre canções hassídicas. Recentemente a cineasta teve retrospectivas em Roterdã, Popoli, Berlim (no Arsenal), Paris (na Cinemateca Francesa), entre outras cidades na Europa, muitas vezes na presença dela como convidada. Ao saber das exibições em São Paulo de dois de seus filmes no ano passado, ficou comovida e participou por e-mail de forma ativa na preparação e pesquisa para as atividades em Porto Alegre. A última mensagem que recebemos dela foi no dia 10 de setembro – três semanas antes da sua morte – com um curto vídeo de apresentação que vai passar na abertura da mostra. Créditos da mostra: Realização: Cinemateca Capitólio, com o apoio gentil do Consulado-Geral da Hungria em São Paulo (agradecimentos especiais à Eszter Dobos e Zsuzsanna László) Curadoria e produção: Mutual Films (Aaron Cutler e Mariana Shellard) Tradução e legendagem: João Boeira, Leonardo Bomfim Pedrosa, Thainá Maria e Igor Farah Cópia de A dama de Constantinopla: FILMICCA Cópia de O processo de Martinovics e dos jacobinos húngaros: MTVA (Magyar Televízió / Televisão húngara) Cópias dos outros filmes: Acervo Nacional de Cinema da Hungria (Nemzeti Filmintézet Filmarchívum) Agradecimentos adicionais: Barbara Wurm, Carla Oliveira, Eli Laszlo Berger (filho de Judit Elek), Gyöngyi Fazekas, Olaf Möller, Robert de Rek/Festival Internacional de Cinema de Roterdã SINOPSES A dama de Constantinopla Encontro Habitantes de castelos na Hungria Por quanto tempo dura o homem? No campo de Deus em 1972-73 Uma história comum Despertar O processo de Martinovics e dos jacobinos húngaros SUPLEMENTO “A dramaturgia do luto: um breve olhar sobre o papel da morte na obra de Judit Elek” CINEMATECA CAPITOLIO - Texto de apresentação CINEMATECA CAPITOLIO - Sinopses |
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